TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

300 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL a definição das matérias cujo conhecimento cabe aos tribunais judiciais e a daquelas cujo conhecimento cabe aos tribunais administrativos e fiscais […]. Por conseguinte, a norma em apreciação, na medida em que atribui ao juiz da comarca competência para a concessão de mandado para entrada em domicílio onde se desenvolvam atividades sujeitas a fiscalização municipal, só podia constar, em princípio, de lei ou de decreto-lei autorizado. 3. A norma que é objeto do presente recurso insere-se num diploma – o Decreto-Lei n.º 555/99 – editado ao abrigo da Lei n.º 110/99, de 3 de agosto, que autorizou o Governo a legislar, no âmbito do desenvolvimento da Lei de Bases do Ordenamento do Território e do Urbanismo, em matéria de atribuições das autarquias locais no que respeita ao regime de licenciamento municipal de loteamentos urbanos e obras de urbanização e de obras particulares. Foi concedida autorização ao Governo para legislar em matéria da competência dos tribunais (artigo 1.º). Ponto é que o sentido e a extensão da autorização (artigo 2.º) comportem a norma cuja apreciação foi requerida. Percorridas as alíneas do artigo 2.º da Lei, é de concluir que nenhuma delas constituía credencial parlamentar bastante para o Governo editar norma que atribuísse ao juiz da comarca competência para a concessão de mandado para entrada em domicílio de pessoa que não dê o seu consentimento, no qual se desenvolvam atividades sujeitas a fiscalização por parte de funcionários municipais. Como bem nota o Ministério Público, as únicas normas da Lei n.º 110/99 que se referem à adoção de medidas legislativas em matéria da competência dos tribunais – as mesmas que são destacadas na decisão recorrida – “são absolutamente estranhas à questão dirimida pelo n.º 3 do artigo 95.º do Decreto-Lei n.º 555/99, por se reportarem a causas perfeitamente distintas do procedimento cautelar a que os autos se referem; assim, a alínea x) do n.º 2 reporta-se à ação visando a promoção de obras de urbanização, não devidamente executadas; e a alínea f ) do mesmo preceito legal refere-se à intimação judicial para a prática de ato legalmente devido, na ótica da efetivação das garantias dos particulares no confronto com a Administração, ou seja em que a Administração figura como requerida pretendendo o particular a prática por esta de ato legalmente devido”.» Em suma, resulta da comparação das duas leis de autorização legislativa: i)    Que, relativamente à Lei n.º 110/99, nenhuma das suas alíneas constituía credencial parlamentar bas- tante para que o Governo editasse norma a atribuir ao juiz da comarca competência para a concessão de mandado para entrada em domicílio de pessoa que não dê o seu consentimento, no qual se desenvolvam atividades sujeitas a fiscalização por parte de funcionários municipais; ii) Já no que se refere à Lei n.º 100/2015, o respetivo sentido e extensão abrange, de acordo com o disposto no seu artigo 4.º, alínea b) , a atribuição aos tribunais administrativos da competência para conceder mandado para entrada em domicílio de pessoa que não dê o seu consentimento, no qual se desenvolvam atividades sujeitas a fiscalização por parte de funcionários municipais. Quer dizer, a segunda autorização legislativa reporta-se diretamente a um certo tipo de mandado: precisa- mente, o mandado previsto no n.º 2 do artigo 95.º do RJUE, o qual, por corresponder a uma garantia constitu- cional em face da ingerência no âmbito de proteção da inviolabilidade do domicílio, está sujeito à reserva de juiz (cfr. o artigo 34.º, n.º 2, da Constituição). Consequentemente, a determinação legal da competência jurisdicional para a respetiva emissão e a natureza do mandado, enquanto garantia da legitimidade constitucional da ingerência no âmbito de um direito de liberdade – nas palavras de Dulce Lopes, acima referidas, o controlo dos parâmetros «que demonstrem que a decisão [de realizar a inspeção que implique a entrada no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento] foi proferida e será executada no respeito dos mais basilares direitos dos destinatários da atuação da Administração» – são indissociáveis. Por se tratar de uma garantia procedimental-institucional cona- tural à reserva de juiz, é inaplicável a distinção entre um plano puramente competencial e um plano puramente material que se excluam mutuamente: por outras palavras, autorizar o Governo a legislar sobre o tribunal compe- tente para emitir esse tipo de mandado implica autorizar o Governo a prever e disciplinar tal tipo de mandado, o qual, por natureza, se destina a garantir certo direito fundamental perante uma decisão administrativa já tomada.

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