TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
292 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL IV – A existência na Lei n.º 100/2015, de 19 de agosto, de tal referência expressa à finalidade do manda- do em causa representa uma diferença essencial face à situação anterior; resulta da comparação das duas leis de autorização legislativa: i) que, relativamente à Lei n.º 110/99, nenhuma das suas alíneas constituía credencial parlamentar bastante para que o Governo editasse norma a atribuir ao juiz da comarca competência para a concessão de mandado para entrada em domicílio de pessoa que não dê o seu consentimento, no qual se desenvolvam atividades sujeitas a fiscalização por parte de funcio- nários municipais; ii) já no que se refere à Lei n.º 100/2015, o respetivo sentido e extensão abrange, de acordo com o disposto no seu artigo 4.º, alínea b) , a atribuição aos tribunais administrativos da competência para conceder mandado para entrada em domicílio de pessoa que não dê o seu consenti- mento, no qual se desenvolvam atividades sujeitas a fiscalização por parte de funcionários municipais. V – A segunda autorização legislativa reporta-se diretamente a um certo tipo de mandado: precisamente, o mandado previsto no n.º 2 do artigo 95.º do RJUE, o qual, por corresponder a uma garantia cons- titucional em face da ingerência no âmbito de proteção da inviolabilidade do domicílio, está sujeito à reserva de juiz; consequentemente, a determinação legal da competência jurisdicional para a respetiva emissão e a natureza do mandado, enquanto garantia da legitimidade constitucional da ingerência no âmbito de um direito de liberdade são indissociáveis; autorizar o Governo a legislar sobre o tribunal competente para emitir esse tipo de mandado implica autorizar o Governo a prever e disciplinar tal tipo de mandado, o qual, por natureza, se destina a garantir certo direito fundamental perante uma decisão administrativa já tomada; tal indissociabilidade aparece expressa – aliás, desde a redação origi- nária do artigo 95.º do RJUE – mediante a referência no n.º 3 desse artigo 95.º ao «mandado previsto no número anterior». VI – Independentemente deste aspeto formal, certo é que o artigo 4.º, alínea b) , da Lei n.º 100/2015, de 19 de agosto, pré-determina a orientação político-jurídica e o sentido material da alteração consagrada pelo Governo no artigo 95.º, n. os 2 e 3, do RJUE, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 214- G/2015, de 2 de outubro: o conteúdo normativo desta redação corresponde exatamente ao programa normativo ( Normprogramm ) estabelecido naquela lei de autorização legislativa; com efeito, por via daquele preceito legal, o Governo ficou autorizado a cometer aos tribunais administrativos a compe- tência para conceder mandado para entrada em domicílio de pessoa que não dê o seu consentimento, no qual se desenvolvam atividades sujeitas a fiscalização por parte de funcionários municipais. VII – À luz da autonomia inerente ao exercício da função legislativa do Governo, que não é anulada pelo exercício da competência legislativa autorizada, não se afigura que à referência ao n.º 3 do artigo 95.º do RJUE constante da Lei n.º 100/2015 seja de atribuir outro significado que não o instrumental de indicar a sedes materiae no âmbito do RJUE objeto da autorização legislativa, nada impedindo que o Governo, em vez de conservar a referência expressa no n.º 3 do artigo 95.º do RJUE ao «número anterior», fundisse estes dois números num só, sendo a mesma a norma, com a respetiva previsão e estatuição completas. VIII– Esta possibilidade comprova a unidade teleológica e jurídico-material entre os preceitos em causa; a Assembleia da República não pode autorizar que se legisle no sentido de atribuir a competência para emitir o mandado judicial em causa aos tribunais administrativos – matéria relevante nos termos da alínea p) do artigo 165.º, n.º 1, da Constituição – sem necessária e simultaneamente autorizar, na sequência da emissão desse mandado, a entrada no domicílio de pessoa que não dê o seu consentimen- to, e no qual se desenvolvam atividades sujeitas a fiscalização por parte de funcionários municipais
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