TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

289 acórdão n.º 267/17 A irretroatividade fiscal é uma manifestação do princípio da segurança jurídica ou da confiança inscrito no princípio do Estado de direito (artigo 2.º da Constituição). Daí que, em certos casos, há necessidade de avaliar e ponderar devidamente o interesse privado dos contribuintes com o interesse público que justifica agravamentos fiscais com um certo grau de retroatividade. Assim, nos chamados casos de retroatividade falsa ou imprópria, o grau de confiança suscitado nos contribuintes e a relevância do mesmo não pode deixar de ser ponderado ao nível da proporcionalidade. No caso das normas fiscais interpretativas materiais – as que visam solucionar a incerteza de lei ante- rior, situando-se dentro dos quadros da controvérsia, com um conteúdo que o julgador ou intérprete a ela pudesse chegar, sem ultrapassar os limites típicos impostos à interpretação e aplicação da lei – não se pode dizer que a confiança dos contribuintes no sentido da norma interpretada gera expectativas legítimas da sua continuidade no ordenamento jurídico. Se a norma é controversa, a única expectativa que existe é que o legislador a solucione. Se ele o faz, optando por um dos entendimentos possíveis, que até já era seguida pela jurisprudência, não se pode dizer que há frustração intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva da confiança depositada na norma interpretada. O caso dos autos é paradigmático da inexistência de expectativas jurídicas ou de manutenção do regime legal pretensamente controverso. Desde o nascimento do PEC – Decreto-Lei n.º 44/98, de 3 de março –, com as alterações que sofreu até à data, não foi questionada a não dedutibilidade da quantia adiantada na coleta das tributações autónomas. O próprio programa informático da Administração Tributária de suporte à apresentação das declarações de IRC não possibilitava tal dedução. Portanto, o n.º 2 do artigo 90.º era interpretado e aplicado pela AT – e não consta que haja contribuintes que tenham impugnado nos tribunais tributários tal interpretação – no sentido de que as deduções do PEC (e as demais) não eram deduzidas na coleta das tributações autónomas. Apenas com a intervenção do tribunal arbitral é que surgiram – em 2014 e 2015 – decisões do CAAD, umas no sentido de que o PEC e os benefícios fiscais podiam ser deduzidos à coleta das tributações autónomas, e outras em sentido contrário. Ora, a expectativa na manutenção de uma das interpretações efetuadas pela jurisprudência arbitral não se pode confundir com as expectativas geradas pela própria lei. Se a norma era duvidosa e se foi criada uma controvérsia quanto à dimensão aplicativa da mesma, o expectável era que o legislador viesse resolver a incerteza num dos sentidos possíveis, provavelmente no sentido com a mesma sempre foi aplicada, que, como vimos, essa era a interpretação mais correta. Assim, como sustenta Batista Machado, «se porventura se pode dizer que as variações e mudanças jurisprudenciais no que respeita à interpretação de uma regra de direito, pelo menos na medida em que esta regra nunca foi considerada certa, não têm efeito retroativo, então também a lei interpretativa nos termos atrás definidos não será substancialmente retroativa» ( Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, p. 247). – Lino José Batista Rodrigues Ribeiro .        Anotação: 1 – Acórdão publicado no Diário da República , II Série, de 12 de julho de 2017. 2 – Os Acórdãos n. o s 353/05, 128/09 e 85/10 es tão publicados em Acórdãos, 62.º, 74.º e 77.º Vols., respetivamente. 3 – Os Acórdãos n. o s 300/10 e 18/11 e stão publicados em Acórdãos, 79.º e 80.º Vols., respetivamente. 4 – Os Acórdãos n. o s 310/12 e 395/12 estão publicados em Acórdãos, 84.º Vol.. 5 – O Acórdão n.º  617/12 e stá publicado em Acórdãos, 85.º Vol.. 6 – Os Acórdãos n. os 85/13 e 230/13 e stão publicados em Acórdãos, 86.º Vol.. 7 – Os Acórdãos n. os 575/14 , 197/16, 510/16 e 171/17 e stão publicados em Acórdãos, 90.º, 95.º, 97.º e 98.º Vols., respeti- vamente.

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