TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

288 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL especial por conta; e 5.ª – retenções na fonte, insuscetíveis de compensação ou reembolso), quando aplicadas às tributações autónomas frustram os objetivos por elas visados. Com efeito, se fosse possível deduzir bene- fícios fiscais ou o PEC à coleta das tributações autónomas neutralizar-se-ia a razão de ser dessas tributações. Através desse tipo de tributos, o legislador visa evitar que os contribuintes utilizem para fins não empre- sariais bens que geraram custos fiscalmente dedutíveis ou que realizem despesas e encargos que representam ou possam configurar evasão fiscal ilegítima. Ora, o sentido antiabuso das tributações autónomas não seria conseguido se a coleta que delas resulta fosse sujeita àquele tipo de deduções. Se a intenção é penalizar (ou prevenir) certo tipo de despesas que diminuem a matéria tributável do IRC e a respetiva coleta, não faz sentido – e até é contraditório – permitir que a coleta das tributações autónomas se esvazie com deduções que visam direta e exclusivamente o desagravamento fiscal do lucro tributável e da coleta que ao mesmo respeita. É incoerente desincentivar as empresas à realização de despesas que diminuem a medida real do imposto sobre o rendimento, através de um encargo fiscal adicional, e por outro lado, permitir que na coleta daí resultante sejam deduzidas as quantias que incentivam os lucros (benefícios fiscais) ou que pretendam garantir uma coleta mínima de IRC (PEC). A Admissibilidade destas deduções acabaria por impedir que as tributações autónomas realizassem o objetivo para que foram criadas. Assim, a natureza e a finalidade das tributações autónomas é incompatível com a dedução à correspon- dente coleta de benefícios fiscais e de pagamentos efetuados por conta do imposto sobre o lucro tributável. De modo que a norma do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, para se tornar compatível com o pensamento legislativo, deve ser interpretada no sentido de apenas permitir deduções à parte da coleta que tem por fonte o lucro tributável. No que se refere ao pagamento especial por conta (PEC), a interpretação restritiva daquela norma impõe-se pela própria natureza desse pagamento. O artigo 33.º da Lei Geral Tributária define-o como entrega pecuniária antecipada, “no período de formação do facto tributário”, do imposto devido a final. Trata-se, pois, do pagamento antecipado de um imposto periódico, cujo facto tributário se produz de modo sucessivo – como é o caso do IRC – e não de um imposto instantâneo, que se esgota no ato de realização – como é o caso das tributações autónomas. Se é por conta dos rendimentos obtidos num determinado ano, então o crédito do PEC só pode ser afetado à coleta que resulta do apuramento do IRC calculado sobre esse rendi- mento. Caso fosse possível deduzir o PEC à coleta das tributações autónomas, não só se perderia o caráter antiabuso destas como se permitiria que o sujeito passivo não pagasse imposto sobe o seu rendimento real. 2. O Acórdão qualifica a norma impugnada como “substancialmente retroativa”, porque contraria um certo entendimento da jurisprudência arbitral quanto à admissibilidade de deduções ao montante global da coleta de IRC. Refere que «entre as múltiplas declarações do direito de que a lei era possível, algumas deixaram ex vi legis de ser admissíveis. Na medida de tal limitação, ocorre uma modificação do direito que os tribunais “podem dizer”. E a ser assim, a interpretação ou esclarecimentos formalmente consagrados pela lei nova não podem deixar de revestir uma natureza constitutiva e a retroatividade inerente à mesma lei ter um caráter substancial». Agora, pressupõe-se que a solução do direito era controvertida e incerta, comportando vários sentidos, mas considera-se que a fixação de um dos sentidos como o único admissível reveste natureza “constitutiva”, porque ficou “necessariamente excluído” o sentido diferente que os tribunais lhe imputavam. No fundo, o que se julga é que as normas interpretativas (as «verdadeiramente interpretativas») são incompatíveis com a proibição da retroatividade em matéria fiscal, consagrado no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição. Na medida em que vinculam os tribunais a uma determinada interpretação, entre várias em abstrato possíveis, elas implicam, necessariamente, uma aplicação retroativa de lei interpretanda. Ora, não me parece que o princípio constitucional da proibição da retroatividade tenha um caráter tão absoluto que impeça a existência de leis fiscais interpretativas. Como resulta do texto do Acórdão, o Tribunal Constitucional exclui do âmbito aplicativo desse princípio as situações de retrospetividade ou de retroativi- dade imprópria, o que, desde logo, significa que a norma constitucional não afasta todo e qualquer tipo de retroatividade.

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