TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

285 acórdão n.º 267/17 Os mesmos Autores não deixam, todavia, de advertir para a necessidade de uma caracterização tipoló- gica – e não definitória – das diferentes funções do Estado: «O conceito de “núcleo essencial de funções” não dispensa, porém, que, em termos metódicos, se estabeleça uma interpretação sistemática de poderes, competências e funções a partir dos vários preceitos jurídico-positivos da Constituição. Determinar como as funções e competências são distribuídas pelos vários órgãos resulta, em primeiro lugar, da ordem global de competências tal como ela vem positivada na lei constitucional. Em segundo lugar, esta ordem de poderes, competências e funções transporta dimensões materiais que permitirão recortar as características específicas das competências e funções constitucionalmente reservadas a certos órgãos de soberania e que não podem ser “desviadas” para outros. Como os diferentes órgãos podem desempenhar competências e fun- ções que não se reconduzem àquelas que, de forma principal, a Constituição lhes reserva, é admissível a restrição da caracterização material apenas às formas, conteúdos e resultados tipicamente atribuídos a cada órgão de soberania.» (v. idem , ibidem , pp. 46-47)      Daí que se «os atos próprios de cada função devem provir, em princípio, dos órgãos correspondentes a essa função», são descortináveis, no direito positivo, «algumas interpenetrações e inevitáveis zonas cinzentas» (assim, vide Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo V, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coim- bra, 2010, p. 35). No tocante à função jurisdicional, a Constituição comete, conforme referido, o seu exercício aos órgãos de soberania tribunais (artigos 110.º, n.º 1, e 202.º, n.º 1). Sendo certo que o tribunal não se identifica com o juiz, há, todavia, decisões e atos que só este último pode praticar (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição, cit., anotação I ao artigo 202.º, p. 506). É nisto que se traduz a reserva de juiz relativamente ao exercício da função jurisdicional (reserva de jurisdição): «Tribunal [tem neste artigo 202.º] um sentido jurídico-funcional – daí a epígrafe “função jurisdicional” – conexionada com um sentido inerente à função de jurisdictio e uma função jurídico-material (“ jurisdictio ” como atividade do juiz materialmente caracterizada). A atribuição da função jurisdicional aos tribunais, nos termos do n.º 1, radica no facto de as decisões dos tribunais serem imputadas, para efeitos externos, a um tribunal […] e não a um juiz. Isto não perturba o entendimento de que neste artigo (202.º-1) a Constituição estabelece uma reserva de jurisdição no sentido de que dentro dos tribunais só os juízes podem ser chamados a praticar atos materialmente jurisdicionais. O conceito constitucional de função jurisdicional pressupõe, portanto, a atribuição da função juris- dicional a determinadas entidades (magistrados) que atuam estritamente vinculados a certos princípios (indepen- dência, legalidade, imparcialidade).» (v. Autores cits., ibidem , anot. VI ao art. 202.º, p. 509). Por outro lado, o n.º 2 do artigo 202.º da Constituição identifica o conteúdo da função jurisdicional por referência a três diferentes áreas de intervenção: defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos; repressão de violação da legalidade; dirimição de conflitos de interesses públicos e privados (sobre o sentido e alcance possível daquelas três áreas, cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , Tomo III, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, anotação IV ao artigo 202.º, pp. 18-19; e Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição, cit., anotação VII ao artigo 202.º, p. 509). Como se salientou por exemplo no Acórdão n.º 230/13, «o entendimento comum é o de que a Constituição pretendeu, deste modo, instituir uma reserva de jurisdição, entendida como uma reserva de competência para o exercício da função jurisdicional em favor exclusivamente dos tribunais. Nesse sentido, poderá apenas discutir-se o âmbito de delimitação dessa reserva, quer por efeito das dificuldades que possa suscitar, em cada caso con- creto, a distinção entre função administrativa e função jurisdicional, quer por via da maior ou menor latitude que se possa atribuir ao conceito […]».

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