TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
284 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 9. In casu , e de acordo com a interpretação feita na decisão recorrida, a solução normativa do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC resultante da alteração introduzida pelo artigo 133.º da LOE 2016 é inovadora e diminui as possibilidades de o contribuinte realizar deduções à coleta de IRC, ou seja, agrava desfavoravelmente o modo de calcular o quantum anualmente devido a título de IRC. A determinação da aplicação de tal solução a anos fiscais anteriores ao da entrada em vigor da LOE 2016 prevista no artigo 135.º desta mesma Lei torna- -a, por conseguinte, substancialmente retroativa e, nessa mesma medida, incompatível com a proibição da imposição de impostos retroativos do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição. No domínio da fiscalização concreta da constitucionalidade, a interpretação do direito infraconstitu- cional feita pelo tribunal recorrido é, em princípio, vinculativa para o Tribunal Constitucional, já que a este, conforme mencionado anteriormente, compete «julgar inconstitucional ou ilegal a norma que a decisão recorrida, conforme os casos, tenha aplicado ou a que haja recusado aplicação» (artigo 79.º-C da LTC). No entanto, tal não impede o Tribunal Constitucional, se assim o entender justificadamente, de se afastar da interpretação acolhida pela decisão recorrida, e de a substituir por outra, desde que conforme à Constitui- ção (cfr. o artigo 80.º, n.º 3, da LTC). Com efeito, tal possibilidade é inerente à natureza jurisdicional do Tribunal Constitucional e assegura que a função depuradora própria da fiscalização concreta da constitucio- nalidade a seu cargo se exerça sobre normas de direito infraconstitucional resultantes de interpretações não unilaterais e, tanto quanto possível, partilhadas pela generalidade dos tribunais. No caso sub iudicio , contudo, inexistem razões para duvidar do acerto da caracterização como inovadora da solução normativa do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC resultante da alteração feita pelo artigo 133.º da LOE 2016. A decisão recorrida fundamentou, com base em argumentos de ordem literal, teleológica e sistemática tal caráter inovador e evidenciou a existência de, pelo menos, quatro outras decisões jurisdicionais no mesmo sentido. Assim, não deve o Tribunal Constitucional corrigir a interpretação da norma recusada aplicar pelo tribunal a quo nem inverter o juízo de inconstitucionalidade por este formulado. 10. Por outro lado, na determinação da existência de uma lei interpretativa substancialmente retroativa, não pode, de um ponto de vista constitucional, abstrair-se das posições recíprocas do legislador e da jurisdi- ção quanto à fixação do direito aplicável. A iurisdictio ou função de “dizer o direito” – de o declarar a partir das pertinentes fontes jurídico-formais – compete constitucionalmente aos tribunais (artigo 202.º, n.º 1, da Constituição). É certo que, como este Tribunal vem entendendo, a compreensão constitucional do princípio da sepa- ração de poderes, apesar de convocar critérios orgânicos e funcionais, não se reconduz a uma simples dis- tribuição de funções por diferentes órgãos. Inexiste, na verdade, no texto constitucional, «qualquer estrita correspondência entre separação de órgãos e separação de funções, de modo a que a separação de órgãos tenha o sentido de implicar uma rígida divisão de funções do Estado entre eles, exprimindo até a referência à interdependência dos órgãos do Estado constante do artigo 111.º, n.º 1, da Constituição, uma lógica de colaboração e articulação funcional» (cfr. o Acórdão n.º 395/12). Mas, por outro lado, isso não impede que se reconheça a reserva de um núcleo essencial de atuação de cada um dos poderes do Estado, apurado a partir da adequação da sua estrutura ao tipo ou à natureza da competência em causa, enquanto justificação da sua previsão e expressão da sua igual legitimidade político-constitucional (vide o citado Acórdão n.º 395/12 e também o Acórdão n.º 510/16). É neste contexto que se justifica falar de uma teoria do núcleo essencial das funções, e que ganha sentido útil o princípio da separação de poderes entendido como princípio normativo autónomo dotado de um irredutível núcleo essencial. Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, tal sentido consubstancia-se em fundamentar a «declaração da inconstitucionalidade de qualquer ato que ponha em causa o sistema de competências, legitimação, responsabilidade e controlo consagrado no texto consti- tucional (Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os 195/94, 677/95, 1/97, 24/98 e 152/02)» (vide Autores citados, Constituição da República Portuguesa Anotada , vol. II, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anotação V ao artigo 111.º, p. 46).
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=