TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
282 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL entendeu formular o juízo positivo de inconstitucionalidade quanto à norma que, sob a invocação do caráter interpretativo do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, estatuiu (também) para anos fiscais anteriores ao de 2016 que a coleta correspondente às tributações autónomas liquidadas e pagas num dado ano não podia integrar a coleta de IRC desse mesmo ano para efeito de lhe poderem ser deduzidos os valores previstos no artigo 90.º, n.º 2, daquele Código. 7. A especificidade da lei interpretativa prende-se com a intenção e a força vinculante do próprio ato normativo: por contraposição à lei inovadora, aquela visa ou declara pretender fixar apenas o sentido correto de um ato normativo anterior. A mesma não pretende criar direito novo, antes tem como objetivo esclarecer o sentido “correto” do direito preexistente. «O órgão competente que cria uma lei (por exemplo a Assem- bleia da República) tem também a competência para a interpretar, modificar, suspender ou revogar» (cfr. Batista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, p. 176). Está em causa, afinal, uma manifestação da mesma competência legislativa que é fonte em sentido orgânico do ato interpretando (cfr. idem , ibidem ). E, por ser de valor igual a este último, a lei interpretativa determina- -lhe o sentido para todos os efeitos, independentemente da correção hermenêutica de tal interpretação. Por isso, a interpretação fixada pelo autor da lei interpretativa – a chamada “interpretação autêntica” – «vale com a força inerente à nova manifestação de vontade» do respetivo autor (cfr. Autor cit., ibidem , p. 177). Daí a consequência de a lei interpretativa se integrar na lei interpretada (cfr. o artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil). Devido a tal integração, pode em certo sentido falar-se de uma retroatividade formal inerente a toda a lei interpretativa: há retroatividade, porque tal lei se aplica a factos e situações anteriores, e a mesma retroa- tividade é “formal”, visto que a lei, «vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da [lei anterior – cujo sentido e alcance não se podiam ter como certos –] com que os interessados podiam e deviam contar, não é suscetível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas» (cfr. Batista Machado, Introdução ao Direito..., cit., p. 246). Diferentemente, se a lei nova se pretende aplicar a factos e situações jurídicas anterior- mente disciplinados por um direito certo, então este último é modificado, violando-se expectativas quanto à sua continuidade, e tal lei, na medida em que inove relativamente ao direito anterior, será substancial ou materialmente retroativa (cfr. idem , ibidem , p. 247). Na ótica da tutela da confiança dos destinatários do direito, releva que a lei interpretativa formalmente retroativa apenas declara o direito preexistente; ao passo que a lei interpretativa substancialmente retroativa, ao modificar o direito preexistente, constitui direito novo. Pode suceder – e sucede com alguma frequência – que o legislador declare ou qualifique expressamente como “interpretativa” certa disposição de uma lei nova, mesmo quando essa disposição seja na realidade inovadora. Trata-se em tais casos de um disfarce da retroatividade substancial dessa lei. E, «quando não existe norma de hierarquia superior que proíba a retroatividade, tal qualificação do legislador deve ser aceite para efeito de dar a tal disposição um efeito equivalente ao de uma lei interpretativa, nos termos do artigo 13.º [do Código Civil]» (vide Autor cit., ibidem , p. 245). Porém, existindo uma norma superior que proíba a retroatividade (substancial), importará determinar se a lei nova reveste caráter inovador ou não, visto que, se a nova lei constituir direito novo, violará necessariamente a aludida proibição de retroatividade. 8. No domínio fiscal rege, desde a revisão constitucional de 1997, a norma do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição: ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroativa. Consequente- mente, o legislador não pode criar impostos com tal natureza ou introduzir nos impostos existentes modi- ficações que, com efeitos retroativos, os agravem. Como a jurisprudência constitucional tem afirmado, está em causa a proibição de estatuir consequências jurídicas novas que constituam ex novo ou agravem situações fiscais já definidas, nomeadamente o quantum devido a título de certo imposto e previamente definido em razão da verificação de todos os factos relevantes à luz do direito aplicável antes da estatuição das consequên- cias jurídicas novas (sobre a importância da delimitação do âmbito de proteção da proibição em causa, cfr. o
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