TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
28 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 58.º Ora, é justamente uma inquietação desta natureza que suscita a norma constante da alínea f ) , do n.º 4, do artigo 94.º da LOSJ, também no âmbito do processo civil e por idêntica ordem de razões que supra enunciámos, pois o seu sentido normativo permite colocar os juízes, em concreto, em uma situação relativamente à qual se possa fundadamente questionar a sua independência (real ou aparente). 59.º E este é um resultado que mina tanto o direito a um tribunal independente como a garantia objetiva da inde- pendência dos tribunais, que inerem ao direito fundamental a um processo equitativo. 60.º Requerendo este direito fundamental a criação de condições objetivas que permitam assegurá-lo, uma determi- nação normativa como a vertida no citado preceito da LOSJ não alimenta, ao invés deteriora, a confiança que em um Estado de direito os tribunais devem inspirar aos cidadãos. 61.º Noto, enfim, – e não considero este argumento subalterno – que as normas que julgo constitucionalmente impróprias permitem a modificação de um dos sujeitos do processo – o tribunal – por decisão exterior a esse pro- cesso, de um órgão não jurisdicional, sem que aos outros sujeitos e intervenientes processuais seja disponibilizado um meio intraprocessual de impugnação dessa mesma decisão. 62.º E como tenho por irrecusável que se pense a independência como a mais irrenunciável característica do julgar e, portanto, da função judicial, este aspeto vincula também a conclusão de que as normas questionadas não cum- prem uma tarefa essencial da lei: velar por que, em cada tribunal e relativamente a todos os sujeitos processuais, reine uma atmosfera de pura objetividade e de incondicional juridicidade. 63.º Motivo pelo qual entendo que a norma em causa viola, independentemente da natureza criminal ou civil da matéria trazida a juízo, o direito a um processo equitativo, consagrado no n.º 4, do artigo 20.º, da Constituição, no marco do direito à tutela jurisdicional efetiva, pilar fundamental do Estado de direito. 64.º Retornando por fim à doutrina constitucional, em busca de luz sobre a interrogação “o que é um processo justo?”, J. J. Gomes Canotilho, ao evidenciar a respetiva conceção material ou substantiva, por contraste com a conceção processual, escreve o seguinte a respeito da teoria substantiva (In: Direito Constitucional e Teoria da Cons- titucional, 7.ª edição, Coimbra: Almedina, 2003, p. 494): «Esta última teoria é, como salienta a doutrina norte-americana, uma value-oriented theory, pois o processo devido deve ser materialmente informado pelos princípios da justiça. Mais do que isso: o “processo devido” começa por ser um processo justo logo no momento da criação normativo-legislativa. Os objetivos da exigência do processo devido não poderiam ser conseguidos se o legislador pudesse livre e voluntariamente converter qualquer processo em processo equitativo. Esta é a razão pela qual os autores passaram a reclamar a necessidade de critérios materiais informadores do processo devido expressa ou implicitamente revelados pelas normas da Constituição e pelos usos e procedimentos estabelecidos no direito comum ou “disposições estatutárias”. Pas- sou, assim, a falar-se de processo devido substantivo. O problema nuclear da exigência de um due process não estaria tanto – ou pelo menos não estaria exclusivamente – no procedimento legal mediante o qual alguém é
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=