TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

272 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da lei, tal como entendida pela própria AT e por avassaladora jurisprudência tributária: conforme relatado supra a propósito do segundo Ato desta história, quer a AT, quer os tribunais arbitrais em dezenas de decisões arbitrais que deram razão à AT, entendem que a coleta da tributação autónoma em IRC é IRC, inclusive nos propósitos ou função que aquela serve (combate, através de tributação compensatória, a despesas e encargos de duvidosa empresarialidade, pelo menos na sua totalidade, mas não obstante deduzidas/os pelas empresas no apuramento do seu lucro tributável em IRC). B) E é também uma exigência do princípio da coerência e da interpretação sistemática: não se pode simultanea- mente concluir (sem lei que, previamente, crie a dissonância) que quando o Código do IRC se refere à coleta do IRC no seu artigo 45.º, n.º 1, alínea a) (na redação e numeração em vigor até 2013), aí se inclui, sem necessidade de nomeação própria, a coleta da tributação autónoma em IRC (e assim concluiu avassaladora jurisprudência tributária, a pedido da AT, no acima relatado segundo Ato desta história). C) e nuns artigos mais à frente (artigo 90.º, n.º 2, do Código do IRC) concluir, em oposição, que a coleta do IRC não abrange a coleta da tributação autónoma em IRC. D) Que essa incoerência interpretativa não é sustentável foi a conclusão, até à Lei do Orçamento do Estado para 2016 (LOE 2016), de 4 acórdãos arbitrais protagonizados por 8 árbitros, a cujo entendimento aderiu ainda um nono árbitro em voto de vencido num quinto acórdão arbitral de data também anterior à entrada em vigor da LOE 2016. Constitui esta atividade jurisprudencial o terceiro Ato desta história. E) Deste consenso se desviou uma corrente minoritária constituída por este quinto acórdão arbitral, que seguiu uma outra decisão arbitral (tribunal singular), ambos com data anterior à entrada em vigor da LOE 2016 (e até esta data não há mais decisões arbitrais ou acórdãos sobre o âmbito de aplicação do artigo 90.º, n.º 2, do Código do IRC). Decisões divergentes estas que no seu conjunto obtiveram a adesão de apenas dois árbitros. […] H) Donde que quer de um prisma de contagem de espingardas até à LOE 2016 (número de decisões arbitrais em cada um dos campos opostos), quer de um ponto de vista substantivo ou material, se possa e deva concluir que a correta interpretação (fundada no respeito pelo princípio da coerência exigida ao intérprete/aplicador da lei) era a de que na coleta do IRC a que se dirige o n.º 2 do artigo 90.º do CIRC se abrange a coleta da tributação autónoma em IRC. I) Mas há mais: onde se encontra a norma interpretada, o objeto da interpretação? De parte alguma da LOE 2016 resulta identificada a norma que a parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC visaria interpretar. O que constitui mais um forte sintoma de que se está perante uma novidade normativa, por oposição a visão interpretativa de norma velha. J) E há mais ainda: quer o artigo 89.º, quer o artigo 90.º, n. os 1 e 2, do CIRC, referem-se ao IRC, a todo o IRC (nenhuma ressalva fazem ou faziam), e ambos se inserem na mesma fase lógica da regulamentação da liquida- ção do IRC, pós obtenção da coleta primária (apurada de acordo com os antecedentes oitenta e oito artigos). K) Neste contexto (que é o real), como podem ambas as partes, 1 e 2, do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC (introduzido pela LOE 2016), serem simultaneamente interpretativas do que dispõem os artigos 89.º e 90.º do CIRC, em sentidos opostos? Como podem ser simultaneamente interpretativas (nos dizeres do artigo 135.º da LOE 2016) no sentido de que o IRC do artigo 89.º inclui também as tributações autónomas (parte 1 do n.º 21 do artigo 88.º), e no sentido oposto de que o IRC do artigo 90.º, pelo menos o do seu n.º 2, não inclui as tributações autónomas? L) Não podem, isso é uma impossibilidade lógica e sistémica. Uma das duas prescrições, ou a da parte 1, ou a da parte 2, do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, não tem, e não tem necessariamente, por impossibilidade lógica, caráter interpretativo. M) E sabendo-se da esmagadora jurisprudência, acompanhada pela AT, no sentido da qualificação da coleta da tri- butação autónoma em IRC como possuindo a natureza de IRC (conforme 2.º Ato desta história, atrás relatado), fácil é concluir que quem nesta dualidade de prescrições de sentido oposto tem natureza interpretativa é a parte1.

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