TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
259 acórdão n.º 260/17 previsibilidade também depende da interpretação judicial da norma, é evidente que o resultado dessa inter- pretação tem que ser suficientemente firmada na comunidade jurídica, incluindo a não especializada, para que os operadores do foro não fiquem surpreendidos com a nova orientação jurisprudencial. Por isso mesmo, a interpretação judicial só tem plena capacidade de previsibilidade se ela própria, para além de garantir um conhecimento preciso e exato do sentido jurídico interpretando, adquirir estabilidade necessária a gerar a confiança dos sujeitos processuais. É certo que a comunidade jurídica não está desvinculada do seu dever de informação quanto às orienta- ções uniformes adotadas pelas decisões judiciais. Mas a “desatenção” perante modificações inesperadas, senão forçadas, ainda não suficientemente sedimentadas no sistema jurídico, não pode ter como consequência a perda de direitos. A construção de um sistema jurídico-processual racional requer instrumentos que possi- bilitem a realização segura dos direitos, sem instabilidade. Mas a tutela jurisdicional efetiva assegurada pelo justo processo não pode ficar comprometida por uma uniformização jurisprudencial suscetível de constituir, ela mesmo, um fator de insegurança. 14. Ora, a interpretação normativa impugnada contende com as exigências de cognoscibilidade, calcu- labilidade e previsibilidade inferíveis do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança. O acórdão recorrido limitou-se a aplicar o critério jurídico fixado no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 3/12 a um processo que já se encontrava pendente à data em que o mesmo foi publicado no Diário da República . Mas, como vimos, a aplicação desse critério era controversa na data da interposição do recurso jurisdicional – cerca de dois meses após a publicação – porque a norma que o acórdão pretendeu estabilizar era ambígua quanto às decisões sumárias passíveis de reclamação para a conferência. A expressão «proferida sob invocação dos poderes conferidos no artigo 27.º, n.º 1, alínea i), do CPTA», colocada entre vírgulas, parecia excluir da obrigatoriedade da reclamação para a conferência as decisões proferidas sem invo- cação expressa daquele preceito. A indeterminação desse enunciado foi expressamente reconhecida pelo STA no acórdão n.º 01604/13, de 25 de junho de 2013, ao considerar que o acórdão uniformizador parece assentar em dois pressupostos: «1 – que o juiz da 1.ª instância ao proferir a decisão tinha invocado expressamente os poderes conferidos pelo artigo 27.º, n.º 1, alínea i), do CPTA; 2 – «que tinha sido reclamada em tempo a nulidade processual da pro- lação da sentença por juiz singular quando deveria tê-lo sido pela formação do coletivo». Ou seja, admitiu-se um recurso de revista por se entender que a reclamação para a conferência parece não ter lugar quando a sentença não invoca o artigo 27.º do CPTA nem é suscitada em primeira instância a eventual violação da formação coletiva imposta pelo artigo 40.º, n.º 3, do ETAF. Foi na sequência desse recurso que o STA, por acórdão da secção e sem unanimidade, decidiu que cabe reclamação para a conferência, quer tenha sido ou não expressamente invocado o disposto no artigo 27.º, n.º 1, alínea i) , do CPTA (proc. n.º 01064/13, de 10 de outubro, e proc. n.º 01360/13, de 5 de dezembro de 2013). Com se vê, há discordância relativamente à interpretação fixada em acórdão uniformador, ainda não existindo sequer um acórdão de uniformização a explicar a significado daquela expressão. A plurivocidade da expressão coloca os recorrentes numa situação onde não se mostram claramente pré-determinadas as normas relativas aos meios impugnatórios, e, portanto, fora do espaço de previsibilidade. Assim aconteceu no caso vertente, em que o juiz que proferiu a sentença de primeira instância não chegou a invocar expressamente o artigo 27.º, o que excluía a reclamação para a conferência numa das possíveis significações da interpretação da norma fixada no acórdão uniformizador. A interpretação normativa impugnada impõe a obrigatoriedade da prévia reclamação para a conferência, mesmo que a sentença não contenha a fundamentação da opção de se julgar em juiz singular, e mesmo que os respetivos pressupostos não se encontrem verificados. A imposição de se mobilizar a reclamação para a conferência, cuja não utilização preclude o recurso aos demais meios de reação, depende apenas da invocação expressa ou implícita do poder conferido pela alínea i) do n.º 1 do artigo 27.º do CPTA. É esse o sentido da dimensão normativa impugnada quando refere «com base na mera invocação dos poderes conferidos por
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