TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

257 acórdão n.º 260/17 questionar o entendimento expresso nesse outro acórdão. A reclamação para a conferência, em si, não pre- judica nem preclude a possibilidade de interposição de recurso, que sempre poderá ser dirigido ao tribunal hierarquicamente superior contra a decisão tomada em conferência que tenha confirmado o julgado pelo relator. Mas a exigência de um meio processual que tenha uma natureza meramente formal ou instrumental para abrir caminho à ulterior interposição de recurso jurisdicional – quando este é o meio próprio para dis- cutir a complexidade das questões jurídicas colocadas pela sentença –, não deixa de pôr em causa o princípio do processo equitativo, entendido este como a conformação do processo de forma materialmente adequada a uma tutela jurisdicional efetiva.  Isso porque não constitui um ónus razoável e funcionalmente adequado impor à parte a dedução prévia de reclamação para a conferência, ainda que em termos meramente perfunctórios, apenas para salvaguardar a possibilidade de utilizar um prazo mais longo de recurso para reagir em termos mais substanciais e fun- damentados ao conteúdo desfavorável da decisão; e porque a exigência formal de prévia reclamação para a conferência em processo de primeira instância, sem precedência de qualquer despacho que fundamente a simplicidade da sentença a proferir, e em contradição com as normas específicas em matéria de recursos jurisdicionais e com a orientação jurisprudencial seguida durante anos põe em causa a previsibilidade do ónus processual. A situação de indefesa em que as partes surpreendentemente podem ser colocadas afeta a confiança que depositam no ordenamento jurídico regulador dos meios de defesa dos seus direitos, confiança essa que é tutelada pelo princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição. Além de que o incumprimento dessa exigência, por efeito da discrepância dos prazos aplicáveis em relação a cada um dos mecanismos processuais em presença, traz uma consequência irremediável e desproporcionada à gravi- dade da falta, tornando na prática inviável o direito a uma reação jurisdicional contra a decisão. 13. O princípio do processo equitativo, decorrente do princípio do Estado de direito e consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, limita as escolhas legislativas na concreta estruturação do processo. Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira «(o) significado básico da exigência de um processo equitativo é o da conformação do processo de forma materialmente adequada a uma tutela judicial efetiva» ( Constitui- ção da República Portuguesa Anotada, Vol. II, 4.ª edição, Coimbra Editora, p. 415). A expressão «processo equitativo» unifica assim um grupo de garantias referentes ao modo como o processo deve ser configurado. Enquanto o direito à tutela jurisdicional justifica a existência do próprio processo, a exigência de que o pro- cesso equitativo limita às configurações possíveis do respetivo procedimento. De modo que a garantia do processo justo ou equitativo constitui o princípio constitucional que mais intensamente vincula o legislador na conformação das formas de processo. A Constituição só por si não concretiza o conceito de “processo equitativo”, fazendo-o, em parte, apenas quanto às garantias de defesa em processo penal. Trata-se de um conceito “intencionalmente aberto” que pode aplicar-se «em qualquer situação em que se conclua que o processo não está estruturado em termos que permitam, num prazo razoável, a descoberta da verdade material e uma decisão da causa ponderada» (cfr. Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, p. 441). O núcleo essencial do princípio do processo equitativo tem sido determinado através de outros valores e princípios constitucionais, como os princípios do Estado de direito, do acesso ao direito, da igualdade, da segurança jurídica, da confiança e da proporcionalidade (Acórdão n.º 413/10). Assim, no conteúdo do processo equitativo pode incluir-se, para além do direito à obtenção de uma decisão em tempo razoável, expressamente previsto no n.º 4 do artigo 20.º da CRP, o direito à igualdade de armas ou o direito à igualdade de posições no processo, o direito ao contraditório ou proibição de indefesa, o direito a prazos razoáveis de ação e de recurso, o direito à fundamentação das decisões, o direito ao conheci- mento e à previsibilidade dos dados processuais, o direito à prova, e o direito a um processo orientado para a justiça material sem demasiadas restrições formais (Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., pp. 415-416).

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=