TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

252 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Por outro lado, a sua aplicação nos tribunais de primeira instância diverge em função do material probatório ou instrutório requerido pelas partes: se a produção da prova testemunhal ocorrer perante o juiz singular, sem que seja invocada a nulidade por incompetência funcional, há recurso jurisdicional direto da sentença do juiz; mas se se tratar de produção e apreciação de prova documental, já é obrigatória a reclamação para a conferência. Enfim, parece líquido que a interpretação fixada no acórdão de uniformização de jurisprudência não se converteu em regra jurídica vinculativa para as partes por continuar a haver divergências relativamente a essa interpretação. Como se viu, no quadro da mesma forma processual e do mesmo tipo de decisão, uma das secções do STA não segue a orientação do acórdão n.º 3/12, fundamentando a sua discordância inter- pretativa no argumento de que a norma do n.º 2 do artigo 27.º do CPTA não tem razão de ser nos tribunais de primeira instância. Não obstante a jurisprudência do STA ter vindo a precisar o sentido e alcance do n.º 2 do artigo 27.º, a interpretação normativa contida no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 3/12 não acau- tela devidamente a previsibilidade objetiva da interpretação das normas processuais conformadoras da ação administrativa especial de valor superior à alçada. De facto, as normas do artigo 27.º, n.º 1, alínea i) , e n.º 2, do CPTA, quando interpretadas no sentido de imporem a reclamação para a conferência de decisão sumá- ria proferida pelo relator em primeira instância, estão em antinomia com o artigo 142.º, n.º 1, do mesmo Código, que, sem qualquer ressalva, permite genericamente o «recurso das decisões que, em primeiro grau de jurisdição, tenham conhecido do mérito da causa» nos processos de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, aí se incluindo necessariamente o recurso de decisão sobre o fundo da causa que tenha sido proferida pelo juiz no uso da competência deferida por aquele dispositivo. E não tem cabimento aqui falar-se de uma relação de especialidade entre essas duas disposições, pela linear razão de que estamos perante normas gerais que têm um campo de aplicação distinto. A reclamação para a conferência tem aplicação em relação a decisões do relator que se reportam a questões simples, que, por sua própria natureza, dispensam a exigência de um julgamento por órgão colegial, como é o caso em que a questão de direito tenha sido apreciada por tribunal, de modo uniforme e reiterado, ou se trate de pretensão manifestamente infundada. Pelo contrário, o recurso é o meio jurisdicional de reação próprio contra decisões de mérito proferidas por uma formação de três juízes ou pelo juiz singular, no quadro das suas competências próprias de julgamento (artigo 40.º, n. os  1 e 3, do ETAF), e que não se confundem com a competência dele- gada do juiz singular quando intervém como relator, que apenas pode proferir decisões sumárias quando a questão de direito a resolver seja simples. Não é possível afirmar, por isso, dentro do quadro competencial legalmente definido, que a reclamação para a conferência é aplicável em todas as situações em que as decisões são proferidas pelo relator, de modo a poder concluir-se que há sempre lugar a reclamação para a conferência das decisões do relator e que dos acórdãos da conferência é que pode recorrer-se, nos termos gerais. De facto, o que sucede é que a reclamação para a conferência só tem lugar quando, à semelhança do que ocorre no âmbito dos recursos jurisdicionais em processo civil, o relator avoca a competência do órgão colegial de julgamento por específicas razões de celeridade e eficiência processuais identificadas na lei. Não podendo falar-se de uma relação de especialidade entre as normas em causa, as dúvidas interpreta- tivas que as referidas disposições suscitam colocam-se em vários planos. Em primeiro lugar, embora o modelo de competência funcional do relator nos tribunais administrativos de primeira instância tenha sido transposto dos recursos em processo civil, a situação não é inteiramente equivalente à que se verifica com a intervenção do relator nos tribunais superiores. Aí sabe-se que o processo é julgado por três juízes e que qualquer decisão que não seja emitida pela formação de julgamento, mas pelo relator a título individual, é passível de reclamação para a conferência. Nos tribunais administrativos de pri- meira instância, as questões relacionadas com a intervenção do relator não se colocam com a mesma lineari- dade: o julgamento pode ser efetuado pelo juiz singular no uso de competência própria ou por uma formação de três juízes, ou ainda pelo juiz singular no uso da competência delegada. E o meio de reação para qualquer

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