TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

24 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 31.º A violação do princípio do juiz natural ocorre ainda no tocante ao segmento da norma criticada, na parte em que autoriza, sempre com base em critério subjetivo e casuístico, a expropriação de determinado juiz do seu poder judicativo relativamente a um dado processo, para o qual fora previamente designado para intervir nos termos da lei, ou seja, após a definição ou individualização, segundo regras gerais e abstratas, do concreto juiz (ou concreta formação judiciária) competente para a sua apreciação. 32.º A esta luz, não pode deixar de afirmar-se que, nessa “afetação de processos”, a alteração, impulsionada ao abrigo do disposto na alínea f ) , do n.º 4, do artigo 94.º da LOSJ, da concreta composição judiciária para certa causa, sempre resultará de uma determinação de base discricionária, para que outro juiz, que não o respetivo juiz natural ou juiz legal, intervenha nesse mesmo processo. 33.º De outro modo dito: o problema da norma aqui reprovada reside na possibilidade de subtração ao juiz ou tri- bunal de causa que já lhe estava afeta por lei, privando-o desse concreto poder judicativo, na sequência de proposta formulada pelo presidente do tribunal de comarca, no exercício de competências de gestão processual, visando a sua atribuição a outro juiz ou tribunal. 34.º Nem se argumente que presidem também ao segmento normativo ora questionado os fins – reitero, em si legí- timos – de “equilíbrio da carga processual” e de “eficiência dos serviços”, em uma busca do bem fundado da medida gestionária em causa, que pudesse afastar o excesso ou desproporcionalidade da opção do legislador ordinário. 35.º Não sendo os fìns visados estranhos a valores cuja dignidade constitucional é irrefutável, como seja, nomeada- mente, a celeridade processual (vejam-se os n. os 4 e 5, do artigo 20.º, e o n.º 2, do artigo 32.º, da Lei Fundamental), inclusive enquanto “princípio de ordenação eficaz” dos meios de realização da administração da justiça (veja-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 482/14 – In: Diário da República , 2.ª série, N.º 143, de 28 de julho de 2014), a reafetação de processos nos termos autorizados pela alínea f ) , do n.º 4, do artigo 94.º da LOSJ importa, porém, um sacrifício absolutamente desmedido do conteúdo significante do princípio do juiz natural. 36.º Isto, porquanto, uma vez mais, a norma em causa não evita o risco de arbitrariedade ou discricionariedade desve- lada pela possibilidade de alocação casuística e a posteriori de um concreto processo a outro juiz ou coletivo de juízes. 37.º E basta a existência desse risco, seja ele real ou aparente, para a norma estar ferida do vício de inconstituciona- lidade que lhe apontamos, colocada que está em causa a própria razão de ser do princípio do juiz natural, que é a de «evitar a designação arbitrária de um juiz ou tribunal para decidir um caso submetido a juízo», nas palavras de Germano Marques da Silva e Henrique Salinas (In: Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Ano- tada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 738). 38.º O raciocínio até aqui expendido – dirigido a alicerçar as razões pelas quais considero que a norma constante da alínea f ) , do n.º 4, do artigo 94.º da LOSJ carrega em si uma inaceitável subjetivação da “escolha do decisor”, incluindo a possibilidade de subtração da causa ao seu juiz legal, sendo, consequentemente, expressão de descon- formidade constitucional por vulneração do princípio do juiz natural que a Constituição acolhe especificamente

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