TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
238 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O Acórdão recorrido decidiu «julgar inconstitucional, por violação do princípio do processo equitativo em conjugação com os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, consagrados nos artigos 2.º e 20.º, n.º 4, da Constituição, a norma do artigo 27.º, n.º 1, alínea i) , do Código de Processo nos Tribunais Administrati- vos, interpretada no sentido de que a sentença proferida por tribunal administrativo e fiscal, em juiz singular, com base na mera invocação dos poderes conferidos por essa disposição, não é suscetível de recurso jurisdicional, mas apenas de reclamação para a conferência nos termos do n.º 2 desse artigo». Considerou-se que a imposição de reclamação como meio de impugnação dessas decisões, constituía um ónus processual imprevisível, cuja inobservância tinha consequências cominatórias excessivamente gra- vosas, o que era ofensivo do direito a um processo equitativo em conjugação com os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança. A imprevisibilidade da reclamação ser o meio adequado à impugnação das decisões previstas na alínea i) do n.º 1 do artigo 27.º do CPTA, resulta, segundo a decisão recorrida dos seguintes fatores: – a existência de dificuldades interpretativas que prejudicam a determinabilidade da lei neste aspeto; – a ausência de suficiente explicitação dos fundamentos do uso da competência decisória do juiz relator; – a prática jurisprudencial existente à data da interposição do recurso no caso concreto, em sentido oposto ao da interpretação em causa; – a inexistência no caso concreto dos pressupostos que permitem a prolação de decisão singular. Estes dois últimos fundamentos respeitam a dados do caso concreto que não integram o conteúdo nor- mativo sub iudicio. Ora, o recurso de constitucionalidade, reportado a determinada interpretação normativa, tem por objeto apenas uma regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica, não podendo destinar-se a pretender sindicar o puro ato de julgamento, enquanto ponderação casuística da sin- gularidade própria do caso concreto, não existindo no nosso ordenamento jurídico-constitucional a figura do recurso de amparo para defesa de direitos fundamentais. Daí que não podem as particularidades do caso concreto ou as circunstâncias que rodearam a sua aplicação ao caso, se não integrarem o conteúdo normativo sindicado, delimitando-o, serem fatores determinantes de um juízo de inconstitucionalidade que vai afetar uma norma que, apesar de fundamentar a decisão tomada no processo, tem uma eficácia que extravasa o caso, por força da suas características de generalidade e abstração. Por esta razão, o facto de à data da interposição do concreto recurso interposto para o TCA (...), poder ter existido uma prática jurisprudencial com um sentido oposto ao da interpretação impugnada, assim como o facto da concreta decisão que foi objeto daquele recurso poder não preencher qualquer um dos pressupos- tos que permitem a prolação de decisão singular, por serem elementos que não integram o conteúdo norma- tivo sob fiscalização, não podem ser fatores determinantes de um juízo de inconstitucionalidade da norma. As “dificuldades interpretativas” apontadas pela decisão recorrida resultariam do disposto no artigo 142.º, n.º 1, do CPTA, que, genericamente, permite o “recurso das decisões que, em primeiro grau de juris- dição, tenham conhecido do mérito da causa” nos processos de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, e da possibilidade de impugnação da decisão do relator se basear em fundamentos absolutos, como sucede quando se alega a incompetência absoluta do tribunal. Estamos perante problemas comuns que se colocam com frequência quando são introduzidas trami- tações inovadoras num determinado sistema processual, aos quais a jurisprudência reponde com soluções encontradas através da interpretação dos preceitos em causa, não assumindo uma relevância que prejudique de tal forma a determinabilidade da lei que impeça os seus destinatários de agirem em conformidade com o por ela preceituado.
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