TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
23 acórdão n.º 244/17 26.º Neste sentido, a questão respeita, outrossim, ao princípio da inamovibilidade dos juízes (afirmado no n.º 1 do artigo 216.º da Constituição), o qual não sendo absoluto, não deixa de estar «constitucionalmente associado ao princípio do juiz natural (...), pois este não só implica a proibição absoluta de escolha do juiz por parte de qualquer cidadão (“juiz a pedido”), mas também a imposição de “sistema tabelar” definidor de critérios objetivos e prede- terminados para a individualização do juiz da causa (“juiz natural”)», conforme escrevem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (In: Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. II, 4.ª edição revista, Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 587). 27.º É ainda significativa, com plena validade para a questão que nos ocupa, a compreensão dos mencionados cons- titucionalistas, a propósito desta imbricação entre o princípio do juiz natural e o princípio da inamovibilidade dos juízes, e que aqui recuperamos ( ibid. ): «O princípio da inamovibilidade convoca estas duas dimensões, pois, por um lado, garante o juiz no cargo contra esquemas apócrifos de violação da estabilidade pessoal, e, por outro, levanta barreiras ao próprio esva- ziamento da objetividade e predeterminabilidade da fixação do juiz natural. A inamovibilidade não é incom- patível com a transferência de juízes para tribunais onde eles são mais necessários, mas esta transferência deve estar predeterminada na lei». 28.º Em harmonia com o que antecede, também Paula Ribeiro de Faria (In: Jorge Miranda e Rui Medeiros, Cons- tituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, pp. 177 e 178), relevando, outrossim, a inamovibilidade dos juízes como «[u]ma das garantias tradicionalmente associada ao princípio da independência», assinala que a mesma: «Consiste na proibição da transferência, suspensão, aposentação ou demissão dos juízes fora dos casos previstos na lei, e encontra a sua justificação material no receio, porventura fundado, de que um juiz pudesse sofrer consequências negativas (ou receber favores imerecidos) pelo exercício da função de julgar e pela sua decisão neste ou naquele sentido e, ao mesmo tempo, pelo temor de que, através do exercício de qualquer poder se pudessem vir a transferir juízes, ou a colocar juízes em posição de decidir casos que, por princípio, não lhes caberiam.» 29.º É, justamente, este tipo de receio e temor que o segmento normativo visado, relativo ao poder dos presidentes dos tribunais de comarca de proporem ao Conselho Superior da Magistratura a reafetação casuística de juízes, suscita, em termos que colidem quer com o princípio do juiz natural, quer com o princípio da inamovibilidade dos juízes. 30.º Acresce a absoluta desnecessidade da medida, porquanto, sem embargo da legitimidade, em si, dos fins legal- mente afirmados de “equilíbrio da carga processual” e de “eficiência dos serviços”, certo é que o legislador aparelhou já o sistema judiciário com mecanismos aptos a dar resposta às referidas preocupações de gestão processual e de recursos humanos, como seja através dos movimentos judiciais ou da criação de bolsas de juízes (vejam-se, respe- tivamente, o artigo 38.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, bem como o artigo 88.º da LOSJ e a Deliberação n.º 1729/2015 do Conselho Superior da Magistratura relativa ao Regulamento do Quadro Complementar de Juízes).
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