TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
229 acórdão n.º 251/17 24. Aqui chegados somos levados a concluir que a norma restritiva objeto de fiscalização tem como consequência uma lesão efetiva e significativa do direito de defesa. O recurso à ação de anulação da patente como única via de contestar a validade da patente pode deixar o requerente de AIM sem possibilidade de defesa contra uma patente inválida no âmbito de uma arbitragem. Tal significa que estaria obrigado a interpor a ação de anulação ainda antes de ser eventualmente demandado numa ação arbitral, o que o coloca na situação de estar vinculado a uma defesa por antecipação. Mesmo que tal fosse razoável, esta via não é suficiente para, só por si, dar resposta à necessidade de tutela do requerente pois, como se disse, a decisão do TPI não afeta casos julgados e que existe a probabilidade de esta apenas surgir após a pronúncia arbitral. A única forma de obstar a esta situação seria a alternativa de requerer a sus- pensão da instância arbitral enquanto o TPI não se pronuncia. Esta solução, no entanto, não oferece garan- tias de acautelar todas as situações configuráveis na pendência de ação de invalidade de patente interposta perante o TPI contemporânea da ação por infração que corre no tribunal arbitral necessário. A articulação entre ambas as ações através da suspensão da instância do processo arbitral é possível, mas incerta, pois o requerimento de suspensão não equivale necessariamente ao seu deferimento e em caso de indeferimento ou de não suspensão, no geral, subiste um défice de defesa que redunda numa impossibilidade de exercício do direito à tutela jurisdicional efetiva. Mesmo nos casos em que o requerente da AIM de medicamento genérico, demandado na ação arbitral, obtém a suspensão dessa instância, a solução alternativa encontrada apresenta-se também nesse caso como uma restrição significativa ao direito de acesso à tutela jurisdicional efetiva, por impor ao requerente o ónus de litigar numa ação independentemente de tal ser em seu interesse, forçando-o a prosseguir interesses de terceiros, seus concorrentes, e o interesse público. A impossibilidade de invocação da nulidade da patente como defesa por exceção na ação arbitral implica um sacrifício significativo – por vezes, absoluto – do direito de defesa, com o fim de proteger a existência de uma via processual única (a ação de declaração de nulidade ou anulação da patente) e a competência exclu- siva do TPI, que estão relacionados com a natureza da patente. É necessário, pois, aferir da proporcionalidade da imposição desta restrição, face a este fim. O privilégio atribuído pela patente dá ao seu titular o direito a opor-se a que um terceiro explore a sua invenção, o que tem um valor económico protegido pelo direito fundamental de propriedade. É para tutelar este direito exclusivo que o legislador, concretizando o seu direito de acesso à tutela judicial efetiva, criou a via de acesso aos tribunais arbitrais e o respetivo processo. É de referir, no entanto, que a patente não atri- bui ao seu detentor o direito de lançar o medicamento no mercado pois para tal terá ainda de submetê-lo a ensaios clínicos a apreciar pela autoridade administrativa competente. Note-se, igualmente, que a proteção constitucional do direito de propriedade privada, que abrange também o direito de exclusivo económico atribuído pela patente, não é absoluta (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 801), podendo ser objeto de restrições decorrentes da colisão com normas referentes a outros direitos fundamentais ou mesmo do modelo consti- tucional de Estado social (a função social da propriedade privada ou razões de interesse público ou da cole- tividade podem justificar limitações ao direito de propriedade privada). Embora se compreendam as preocu- pações que levam à imposição de apenas uma via processual e um tribunal no âmbito do conhecimento da invalidade das patentes, o sistema montado para prosseguir este fim é suscetível de ter como consequência, por vezes, uma ablação total do direito de defesa ou, noutras vezes, uma significativa compressão. Inexiste a demonstração cabal de que a possibilidade de o tribunal arbitral se pronunciar sobre a validade da patente, com meros efeitos inter partes , produza danos irreversíveis ou gravosos à proteção da patente, equivalentes ao sacrifício imposto ao direito de defesa do requerente de AIM. Efetivamente, afastar esta possibilidade pode ter como consequência, ainda que apenas por vezes, impedir um agente económico de exercer a sua liberdade de iniciativa com base numa patente nula ou inválida – o que dificilmente encontra justificação. A proteção da patente, valor central no nosso ordenamento, não justifica a restrição do direito de defesa a este nível, podendo ser alcançada por outras vias.
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