TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
21 acórdão n.º 244/17 14.º Prosseguindo em densificação do seu pensamento, Jorge de Figueiredo Dias esclarece igualmente o seguinte ( ibid. , p. 86, nota de rodapé omitida): «o princípio do juiz legal não obsta a que uma causa penal venha a ser apreciada por tribunal diferente do que para ela era competente ao tempo da prática do facto que constitui o objeto do processo, só obsta a tal quando, mas também sempre que, a atribuição de competência seja feita através da criação de um juízo ad hoc (isto é: de exceção), ou da definição individual (e portanto arbitrária) da competência, ou do desaforamento concreto (e portanto discricionário) de uma certa causa penal, ou por qualquer outra forma discriminatória que lese ou ponha em perigo o direito dos cidadãos a uma justiça penal independente e imparcial.» 15.º Também o Tribunal Constitucional se pronunciou, em variadíssimas ocasiões, sobre o alcance do princípio constitucional do juiz natural. 16.º A este respeito e nele evidenciando uma dimensão de «garantia da independência e da imparcialidade dos tribu- nais (artigo 203.º da Constituição)», encontra-se firmado na jurisprudência constitucional o seguinte olhar sobre o princípio em questão, concretamente tal como transparece no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 614/03 (publicado no Diário da República , 2.ª Série, n.º 85, de 10 de abril de 2004): «a exigência de determinabilidade do tribunal a partir de regras legais (juiz legal, juiz predeterminado por lei, gesetzlicher Richter ) visa evitar a intervenção de terceiros, não legitimados para tal, na administração da justiça, através da escolha individual, ou para um certo caso, do tribunal ou dos juízes chamados a dizer o direito. Isto, quer tais influências provenham do poder executivo – em nome da raison d’État – quer provenham de outras pessoas (incluindo de dentro da organização judiciária). Tal exigência é vista como condição para a criação e manutenção da confiança da comunidade na administração dessa justiça, “em nome do povo” (artigo 202.º, n.º 1, da Constituição), sendo certo que esta confiança não poderia deixar de ser abalada se o cidadão que recorre à justiça não pudesse ter a certeza de não ser confrontado com um tribunal designado em função das partes ou do caso concreto.» 17.º Neste enquadramento, seguindo de muito perto o citado aresto, para além de uma dimensão positiva, que é possível reconhecer no princípio do juiz natural, «consistente no dever de criação de regras, suficientemente deter- minadas, que permitam a definição do tribunal competente segundo características gerais e abstratas» (e que con- templa, para além do mais, a definição dos “concretos juízes” que compõem a formação judiciária interveniente), é ao mesmo princípio igualmente assinalada uma dimensão negativa, «consistente na proibição de afastamento das regras referidas, num caso individual», e mediante a qual se afirma «a ideia de perpetuatio jurisdictionis, com “proibição do desaforamento” depois da atribuição do processo a um tribunal, quer a proibição de tribunais ad hoc ou ex post facto , especiais ou excecionais». 18.º Tem-se, naturalmente, presente, conforme já mencionado, que o princípio do juiz natural não proíbe altera- ções legais da organização judiciária, nem tão-pouco que estas, a terem lugar, possam ser de aplicação imediata, incluindo a processos pendentes: a este propósito, e socorrendo-me sempre do aresto do Tribunal Constitucional que vimos citando, «[p]onto é, porém, que o novo regime – ou a revogação, e não apenas derrogação, para um caso concreto, do anterior – valha em geral, abrangendo um número indeterminado de processos futuros, e não exprima
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