TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

202 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL “(...) também não se encontra na norma de incidência em apreço medida fiscal arbitrária, porque despro- vida de fundamento racional. Como se viu, a alteração legislativa teve como propósito alargar a tributação do património, fazendo-a recair de forma mais intensa sobre a propriedade que, pelo seu valor bastante superior ao do da generalidade dos prédios urbanos com afetação habitacional, revela maiores indicadores de riqueza e, como tal, é suscetível de fundar a imposição de contributo acrescido para o saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido “princípio da equidade social na austeridade”. Mais recentemente, no Acórdão n.º 568/16, da mesma Secção, o Tribunal pronunciou-se sobre aquela norma na redação que agora aqui nos interessa, considerando que “não obstante a alteração de redação já assinalada, a argumentação que então foi adotada é inteiramente apli- cável nas situações em que está em causa a liquidação de Imposto do Selo sobre terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI, e cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a (euro) 1 000 000”. Não podemos, no entanto, acompanhar a jurisprudência contida nos arrestos citados. 7. Desde logo, porque o respeito pelo princípio da igualdade tributária não se basta com um teste básico de racionalidade, que identifique abstratamente uma qualquer causa que, à luz de objetivos de política fiscal, seja apta a justificar uma maior sobrecarga de alguns contribuintes em detrimento de outros. Nessa linha de argumentação, qualquer justificação que vá de encontro às necessidades orçamentais do Estado num dado exercício fiscal, especialmente no contexto de crise económica em que as normas em causa foram aprovadas, terá o mínimo de racionalidade necessária para afastar o espectro do arbítrio. Mas isso pouco ou nada nos diz sobre a legitimidade da diferença de tratamento fiscal que, objetivamente, aquelas normas impõem. Diz-nos que a tributação por elas imposta não é arbitrária, mas não nos diz que procede a uma justa repartição da respetiva carga fiscal. Não se rejeita a posição defendida por José Casalta Nabais, citado no referido Acórdão n.º 590/15, para quem o legislador pode “proceder à discriminação de patrimónios, tributando os mais elevados e isentando os mais baixos ou adotando taxas progressivas” (cfr. Direito Fiscal, 7.ª edição, Almedina Editora, Coimbra, 2012, p. 436). Mas o facto de se reconhecer que o legislador dispõe dessa margem de liberdade, não nos dispensa de verificar se, na situação concreta em apreço, a mesma foi exercida com respeito pelas vinculações constitu- cionais aplicáveis. Na verdade, o reconhecimento de uma ampla margem de liberdade de conformação do legislador fiscal não tem como contrapartida uma restrição equivalente dos poderes de controlo deste Tribunal, pois é pre- cisamente nos casos em que aquela liberdade é maior que este controlo mais se justifica à luz dos princípios constitucionais que devem nortear o seu exercício. Sob pena de se entender que aquela liberdade envolve uma permissão para legislar contra a Constituição e os princípios nela consignados. Ora, ao impor que cada um pague impostos na medida das suas possibilidades, o princípio da igual- dade tributária não impõe apenas que se verifique que essa exigência respeita a força económica de cada contribuinte, e que traduz uma justa repartição da carga fiscal, mas também que se avalie se essa carga não é excessiva, em termos análogos, aliás, àqueles que a Constituição estabelece para admitir outras restrições aos direitos fundamentais. E na situação concreta em apreço isso implica necessariamente avaliar a legitimidade do aditamento dos terrenos para construção à previsão normativa da verba 28.1 da TGIS, ponderando a admissibilidade do alargamento da sua base de incidência à luz dos princípios fundamentais que regem o sistema fiscal, mas confrontando-a também com as próprias razões que presidiram originariamente à criação deste imposto.

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