TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
187 acórdão n.º 246/17 Foi assim que não se julgou inconstitucional (neste Acórdão n.º 237/07) “[…] a norma, extraída dos artigos […] 1.º, n.º 1, alínea f ) , 4.º, 359.º, n.º 1, e 379.º, n.º 1, alínea c) , primeira parte, do Código de Processo Penal, segundo a qual, comunicada ao arguido alteração substancial dos factos descritos na acusa- ção, resultante da prova produzida em audiência – em situação em que ‘os novos factos apurados formam, juntamente com os constantes da acusação, uma unidade de sentido que não permite a sua autonomização’ –, e opondose o arguido à continuação do julgamento pelos novos factos, o tribunal pode proferir decisão de absolvição da instância quanto aos factos constantes da acusação, determinando a comunicação ao Ministé- rio Público para que este proceda pela totalidade dos factos”. 2.1.2. Tem, pois, aceitação generalizada a ideia de que a sujeição ao próprio processo penal – indepen- dentemente da decisão que possa vir a afirmar-se sobre a substância da pretensão punitiva – acarreta, para o arguido, consequências que não devem, por princípio, perpetuar-se nem repetir-se. Nesta mesma ideia assenta a vertente processual do princípio ( rectius , do princípio na sua dimensão processual), que atrás se referiu e a jurisprudência constitucional acolheu. Ou seja, nas palavras de Ramón García Albero (« Non Bis In Idem » Material y Concurso de Leyes Penales, Barcelona, 1995, p. 24): “[…] [O] non bis in idem tem uma vertente substantiva e outra processual. Do ponto de vista material, o princípio veta a imposição plural de consequências jurídicas relativamente a uma mesma infração. Na perspetiva processual, o non bis in idem determina a impossibilidade de reiterar um novo processo e a sujeição a julgamento quanto ao facto sobre o qual incidiu sentença firme ou arquivamento definitivo. […] No caso do non bis in idem material, a hipótese [da norma] reconduz-se à identidade da infração e a sua consequência [evitar a] sanção punitiva. O non bis in idem processual tem, pelo contrário, como hipótese não o «crimen», mas sim o «factum», e como consequência evitar, cabalmente, o próprio processo. […]” (itálico acrescentado). Salienta, ainda, Henrique Salinas ( Do caso julgado à definitividade da sentença penal , disponível em http://www.fd.lisboa.ucp.pt , p. 15): “[…] No que respeita especificamente a esta vertente processual do princípio, é-lhe atribuída uma dupla dimensão. Em primeiro lugar, como direito subjetivo fundamental, garante «ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra atos estaduais violadores deste direito (direito de defesa negativo)». Por outro lado, «como princípio constitucional objetivo (dimensão objetiva do direito fundamental), obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto. Pode até afirmar-se que o princípio adquiriu uma relevância própria, o que teve por efeito, num desenvolvi- mento destas conceções, a autonomização do ne bis in idem perante o caso julgado. […]”. Devendo o princípio ne bis in idem ser entendido na sua dupla vertente – substantiva e processual –, importa olhar novamente para o problema jurídico que o presente recurso nos coloca. 2.2. Impõe-se, assim, caracterizar a questão jurídica a apreciar, que é – de algum modo – o reflexo da delimitação da questão normativa anteriormente levada a cabo (item 2., supra ). Passa tal delimitação por deixar claro que o Tribunal não pode aceitar a argumentação do recorrente no sentido, forçadamente simplista, de que o despacho de rejeição da acusação se pronunciou quanto ao mérito
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