TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

185 acórdão n.º 246/17 Ou, nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira ( Constituição da República Portuguesa Anotada , vol. I, 4.ª edição, Coimbra, 2014, p. 467): “[…] O n.º 5 dá dignidade constitucional ao clássico princípio non bis in idem . Também ele comporta duas dimen- sões: (a) como direito subjetivo fundamental, garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra atos estaduais violadores deste direito (direito de defesa negativo); (b) como princípio constitucional objetivo (dimensão objetiva do direito fundamental), obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto. […]”. Note-se que a jurisprudência deste Tribunal tem acentuado, a respeito do artigo 29.º, n.º 5, da CRP, a diferença entre a dimensão material e a dimensão processual do ne bis in idem . Assim, no Acórdão n.º 303/05 (a propósito da punição em concurso efetivo pelos crimes de burla e de falsificação de documentos), referiu- -se o seguinte, distinguindo a dimensão substantiva (a que aí estava em causa) e a dimensão processual do princípio: “[…] 11. Nos termos do artigo 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa ‘[n]inguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime’, dando-se, assim, dignidade constitucional expressa ao clássico princípio […] ne bis in idem […]. Numa primeira concretização, a doutrina penalística costuma assinalar que o princípio tem uma vertente subs- tantiva e outra processual. Sempre de um modo geral, designadamente sem entrar na consideração da pluralidade de ramos do direito sancionatório, pode dizer-se que, do ponto de vista substantivo, o princípio proíbe a plural imposição de consequências jurídicas sancionatórias sobre a mesma infração; do ponto de vista processual, o [ne] bis in idem determina a impossibilidade de reiterar, contra o mesmo sujeito, um novo julgamento (ou processo) por uma infração penal sobre a qual se tenha firmado decisão de absolvição ou condenação. O ne bis in idem processual – a proibição de sujeição a julgamento pelo ‘mesmo crime’ em processos sucessivos – encontra o seu fundamento próximo na tutela da segurança ou da paz jurídica, inerente ao princípio do Estado de Direito que não permite, mesmo com eventual sacrifício da justiça material, que o indivíduo, já condenado ou absolvido, possa viver permanentemente sob a espada de Dâmocles de uma nova perseguição penal e de uma eventual imposição de pena. Outro há de ser o fundamento para a vertente estritamente material do princípio, porque aí, sendo a dupla penalização simultânea, não é a afronta à paz jurídica que está em causa. O fundamento da proibição da plúrima punição pelo ‘mesmo crime’ no âmbito do mesmo processo só pode encontrar-se em conjugação com os princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas e das medidas de segurança, isto é, pela ideia de que, sendo as sanções penais aquelas que, em geral, maiores sacrifícios impõem aos direitos fundamentais devem ser evitadas, na existência e na medida, sempre que não se demonstre a sua necessidade, e que a ‘dupla penalização’ materializa, só por si, a  desnecessidade ou a desproporção (Sobre o acolhimento constitucional do princípio da necessidade das penas, pode ver-se a jurisprudência elencada no ponto 8.1 do […] Acórdão n.º 494/03). Ora, aos diferentes fins de proteção correspondem diferentes pressupostos e consequências jurídicas, designa- damente quanto ao que deve entender-se por ‘mesmo crime’ para cada uma das duas vertentes do princípio (Cf. Ramón Garcia Albero, Non Bis in Idem Material y Concurso de Leyes Penales , p. 24 e ss). […]” (itálico acrescentado).

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=