TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
182 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL mesmo com eventual sacrifício da justiça material, que o indivíduo, já condenado ou absolvido, possa viver per- manentemente sob a espada de Dâmocles de uma nova perseguição penal e de uma eventual imposição de pena» (Ac. 303/05). 9.ª – A impossibilidade de instauração, contra a mesma pessoa, de novo processo que constitua a repetição de um processo anterior – proibição de renovação do mesmo objeto processual – vem, muitas vezes, tratada no quadro do instituto do caso julgado. 10.ª – Caso julgado (bem como a litispendência), cuja regulação foi inteiramente suprimida no Código de Processo Penal atual – diferentemente do Código de Processo Penal de 1929 (arts. 146.º a 154.º). 11.ª – O princípio da intangibilidade do caso julgado, embora não formalmente proclamado na Constituição, firmar-se-á como «subprincípio inerente ao princípio do Estado de direito na sua dimensão de princípio garantidor de certeza jurídica». 12.ª – No âmbito do presente recurso, interessa acentuar que por objeto do processo deve compreender-se não apenas aquilo que foi conhecido no primeiro processo, mas também tudo aquilo que podia ter sido conhecido. 13.ª – Em processo de estrutura acusatória (artigo 32.º, n.º 5, da Constituição), sendo a acusação condição e limite do julgamento (vinculação temática), em princípio o objeto do processo é o objeto da acusação, que deli- mita os poderes de cognição do tribunal – «Os factos descritos na acusação normativamente entendidos, isto é, em articulação com as normas consideradas infringidas pela sua prática e também obrigatoriamente indicadas na peça acusatória, definem e fixam o objeto do processo, que, por sua vez, delimita os poderes de cognição do tribunal» (Ac. 130/98). 14.ª – Examinada a jurisprudência constitucional na matéria, nuclearmente com referência ao Ac. 237/07, correlacionando-o com o Ac. 226/08 e outros anteriores, não se tem por validada a exigência constitucional, rela- tivamente ao teor de posições doutrinárias mais radicais no desenvolvimento dos princípios do ne bis in idem e do acusatório, articulando-se estes com os da legalidade da ação penal e da verdade material (objetivo-mestre de um processo – artigos 53.º, n.º 1, 299.º, n. os 1 e 2, e 340.º, n.º 1 do CPP –, observadas todas as garantias de defesa do arguido). 15.ª – Nos Acórdãos 237/07 e 226/08, confrontou-se este Tribunal com a questão de constitucionalidade, designadamente à luz dos princípios ne bis in idem e do contraditório (artigos 29.º, n.º 5, e 32.º, n.º 5, da Cons- tituição), do regime relativo à alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, seja no dis- posto no n.º 1 do artigo 359.º do CPP, na redação anterior à Lei n.º 48/2007, 29 de agosto, seja nos n. os 1 e 2 do mesmo artigo, na ulterior e atual redação. 16.ª – Entendeu-se, no quadro de previsão do n.º 1 do artigo 359.º do CPP, na redação anterior à Lei n.º 48/2007, que «a sujeição a “novo julgamento”, recaindo quer sobre os “factos novos” detetados na audiência de julgamento, quer sobre o facto já constante da acusação, não violará o princípio ne bis in idem , desde logo porque não chegou a ser proferida decisão de mérito (absolutória e condenatória), nem, muito menos, decisão definitiva (no sentido de transitada em julgado), sendo pacífico o entendimento de que a repetição de julgamentos, na sequência da anulação de julgamento anterior, mesmo que este tenha terminado por decisão de mérito, não viola o referido princípio constitucional» (Ac. 237/07). 17.ª – Em síntese e com interesse para o presente recurso (cfr. 7.5.1 a 7.5.3 do corpo da alegação), no qua- dro legal considerado, julgou-se não ocorrer violação do princípio ne bis in idem (e do contraditório), quando, recebida a acusação e já após a discussão da causa, nela se tendo apurado uma alteração substancial de factos não autonomizáveis em relação ao objeto do processo, o juiz decreta a extinção da instância, sem proferir decisão de mérito, facultando ao Ministério Público nova acusação sobre o objeto do precedente processo e a realização de ‘novo julgamento’. 18.ª – No caso dos autos, vem alegada violação do princípio ne bis in idem , com referência a precedente pro- cesso (processo abreviado, nos termos dos artigos 391.º-A e segs.), em que a acusação do Ministério Público fora liminarmente rejeitada, nos termos do artigo 311.º, n. os 2, alínea a) , e 3, alínea d) , do CPP [o Ministério Público, imputando embora ao arguido a prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e
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