TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

181 acórdão n.º 246/17 1.4.1. O Ministério Público apresentou contra-alegações, assim concluindo: “[…] 1.ª – O presente recurso, interposto com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, tem por objeto a seguinte questão de constitucionalidade: «as normas dos artigos 311.º, 391.º-A e 283.º, todos do CPP, conjugadas entre si e interpretadas e aplicadas no sentido de que, tendo sido deduzida acusação em processo abre- viado contra um arguido, imputando-lhe a prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal e tendo sobre ela recaído decisão com expressa invocação do artigo 311.º, [n.º 3], alínea d) , ou seja, com o fundamento de que os factos não constituem crime, vindo a ser deduzida nova acusação, já no âmbito de processo comum, imputando-lhe a prática, nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, do mesmo crime, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal – sendo o arguido, neste segundo processo, julgado e condenado – são materialmente inconstitucionais, porque violadoras do dis- posto nos artigos 29.º, n.º 5, e 32.º, n. os 1 e 2, da CRP». 2.ª – O recorrente não cuidou de todo em fundamentar a violação, cumulativamente arguida, do artigo 32.º, n. os 1 e 2, da Constituição – nem se vê como poderá ela ser sustentada, tendo-se,  no que à do n.º 1 do artigo 32.º possa respeitar, que a mesma se consumirá no âmbito da invocação do n.º 5 do artigo 29.º, também da Lei Fundamental. 3.ª – Passar-se-á, pois, unicamente a examinar a questão à luz do artigo 29.º, n.º 5, conexionando-o com o n.º 5 do artigo 32.º, ambos da Constituição (princípio ne bis in idem e estrutura acusatória do processo penal). 4.ª – O princípio ne bis in idem , embrionariamente radicado no direito romano como pressuposto processual negativo ( bis de eadem re agere non licet ), garantindo a autoridade e a força do caso julgado e a segurança das partes, atravessa a Idade Média, amplifica-se no século XVI com a teorização do Direito e do Estado pela neoescolástica e consolida-se no Iluminismo, obtendo consagração formal na Constituição Francesa de 1791. Atualmente presente, com modulações diversas, nas diferentes ordens jurídicas, bem como em instrumentos comunitários e internacio- nais. 5.ª – A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, designadamente, no quadro dos artigos 54.º a 58.º do CAAS, tem dimensionado o princípio ne bis idem também como princípio fundamental do direito comu- nitário, enquanto «direito humano fundamental à proteção contra o ius puniendi do Estado». 6.ª – Garantia de observância daquele princípio, nos termos do artigo 54.º do CAAS, reportada a anterior julgamento definitivo: «aquele que tenha sido definitivamente julgado por um tribunal de uma parte contratante não pode, pelos mesmos factos, ser submetido a uma ação judicial intentada por outra Parte contratante, desde que (…)». 7.ª – O princípio ne bis in idem , rececionado no n.º 5 do artigo 9.º da Constituição, «comporta duas dimen- sões: (a) como direito subjetivo fundamental, garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra atos estaduais violadores deste direito (direito de defesa negativo); (b) como princípio constitucional objetivo, (dimensão objetiva do direito fundamental), obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto». 8.ª – Interessa, para o objeto do presente recurso, considerar a vertente processual do princípio em causa, nele vindo suposta a existência de uma decisão judicial de mérito definitiva: «do ponto de vista processual, o non bis in idem determina a impossibilidade de reiterar, contra o mesmo sujeito, um novo julgamento (ou processo) por uma infração penal sobre a qual se tenha firmado decisão de absolvição ou condenação. O ne bis in idem processual – a proibição de sujeição a julgamento pelo ‘mesmo crime’ em processos sucessivos – encontra o seu fundamento próximo na tutela da segurança ou da paz jurídica, inerente ao princípio do Estado de Direito que não permite,

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=