TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
180 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL to constituído não só pela sentença como pelo despacho de arquivamento que se pronuncie sobre o objeto do processo – rebus sic standibus . XXXIII. Nos termos dos artigos 673.º e 498.º do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 4.º do CPP, a sentença cons- titui caso julgado nos precisos termos em que julga. Com efeito a ‘repetição da causa’ pressupõe, para além da identidade de sujeitos da relação jurídica, a identi- dade dos fundamentos em que assenta a identidade do efeito pretendido ou da pretensão formulada com base naquele fundamento – artigo 497.º do CPC, que se refere a identidade de partes e de pedido. XXXIV. A norma do artigo 29.º da CRP, cujo título é – Aplicação da Lei Criminal – não é uma mera norma ‘proces- sual’, ou ‘adjetiva’, cuja valoração se possa cingir a espírito ‘instrumental’, esvaziado de ratio fundamental que a justifica. XXXV. Essa ratio é a do reconhecimento dos graves riscos para os cidadãos por virtude de situação de grande desigual- dade e fragilidade face à desmesura do poder punitivo do Estado, e portanto da necessidade de impor limites estritos ao exercício desse poder. XXXVI. Neste quadro, parece nos muito dificilmente aceitável que um cidadão (neste caso o recorrente) acusado de factos num processo, que foram declarados por um juiz não constituírem crime, por esse mesmo cidadão, dizia-se, possa ser julgado pelos mesmos factos noutro processo, e agora punido por tais factos constituírem crime. XXXVII. Com esta observação, sublinha-se a circunstância de a primeira decisão ter sido tomada com expressa invo- cação do artigo 311.º, n.º 3, alínea d) , do CPP, norma que permite pressupor que foi o próprio mérito da questão (os factos integram ou não um ilícito penal?) que foi objeto de julgamento. XXXVIII. Finalmente a ratio do preceito constitucional a que se alude acima, preceito que se refere especificamente à – Aplicação da Lei Criminal – a nosso ver muito dificilmente ajustável a uma aplicação subsidiária do processo civil, que abra caminho a um enfraquecimento do princípio ne bis in idem . XXXIX. Um dos traços distintivos entre a proteção conferida ao cidadão pelo caso julgado penal e o direito funda- mental ao ne bis in idem reside, porém, na dependência do trânsito em julgado. A violação do caso julgado apenas se torna operativa uma vez ocorrido o trânsito em julgado de uma decisão proferida validamente por um tribunal. Diferentemente, o ne bis in idem protege o cidadão contra o duplo fardo de sucessivos ou con- comitantes julgamentos que incidam sobre o mesmo crime, independentemente de ter havido ainda qualquer sentença (ou acórdão) definitiva, transitada em julgado ou não. XL. Em contrapartida, em ambos releva a possível identidade fática ou de objeto, interessando, em qualquer caso, que se trate do julgamento pelo mesmo crime. Ora entre os processos n.º 341/12/GTABF e 132/13.5TAABF, e, subsequentemente, no que ao caso julgado interessa, ocorreu, de algum modo, caso julgado no âmbito do processo 341/12/GTABF. XLI. Terminando como se começou, as normas dos artigos 311.º, n.º 1, n.º 2, alínea a) , e n.º 3, alínea d) , 391.º- A, n.º 1, e 283.º, todas do CPP, conjugadas entre si e interpretadas e aplicadas no sentido de que, tendo sido deduzida acusação em processo abreviado contra um arguido, imputando-lhe a prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do CP e tendo esta acusação sido liminarmente rejeitada, nos termos e ao abrigo das citadas normas do artigo 311.º, com o fundamento de que os factos constantes da mesma não constituem crime, vindo a ser deduzida nova acusação, desta feita já no âmbito de processo comum, pela prática, nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, do mesmo crime, de igual modo previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do CP são materialmente inconstitucionais, porque violadoras, designadamente, do disposto no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa (princípio ne bis in idem ) e, bem assim, do disposto no artigo 32.º, n. os 1 e 2, segunda parte, da CRP – incons- titucionalidade esta que aqui se deixa expressamente arguida, para todos os efeitos legais. […]”.
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