TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
179 acórdão n.º 246/17 entre ne bis in idem e caso julgado reside na própria diferença de natureza e de fundamento entre ambos os institutos. O caso julgado é um efeito da sentença definitiva e visa garantir que os termos desta decisão são respeitados e mantidos no futuro. O ne bis in idem corresponde a um efeito do julgamento penal (ainda que este termine sem uma sentença de condenação ou absolvição) ou da pena (no plano material) e visa garantir que o indivíduo não é novamente sujeito a outro julgamento penal ou pena pelo mesmo crime. XXIII. Como aflorado na douta sentença a acusação fixa o objeto do processo. É ela que delimita o conjunto dos factos que consubstanciam um crime, estabelecendo, assim os limites da investigação judicial. Nisto se traduz o princípio da vinculação temática como refere a douta sentença. XXIV. Este princípio da estrutura acusatória do processo penal está consagrado no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição. XXV. Nesta sequência, dado que os factos constantes da acusação não constituem crime e o tribunal a quo não podia suprir as deficiências da acusação, nomeadamente chamando à colação o disposto nos artigos 359.º e 358.º do CPP, que pressupõem uma alteração substancial ou não substancial dos factos que constam da acusação para crime mais grave ou menos grave, e não a inexistência de crime (em relação aos factos da acusa- ção) em que neste caso, o tribunal não pode suprir a omissão da acusação, uma vez que se o fizesse assumiria simultaneamente as funções de julgamento e as de acusador, o que violaria o princípio do acusatório vigente no nosso processo penal e os direitos de defesa do arguido. XXVI. Ao contrário da posição da douta sentença não estamos perante uma situação que pode ser enquadrada como é sustentado, porquanto a forma do processo penal utilizada no âmbito do processo primeiro (Processo abre- viado) obriga a considerar que pelo facto do Ministério Público nada ter feito, ou ter reagido em momento próprio, vindo clarificar que da acusação resulta a junção do talão com a de taxa de álcool, o caso julgado aqui em causa não fez mero caso julgado formal. O Ministério Público, tendo em conta a natureza processual do processo abreviado, tinha a obrigação e o dever de ter agido em tempo e sem que tivesse permitido o trânsito e que o referido despacho se tornasse definitivo. XXVII. Estamos perante dois processos com o mesmo objeto. Não podemos comungar da visão redutora como o faz o tribunal ao considerar que os factos constantes do primeiro processo não tiveram qualquer relevância penal. XXVIII. No processo n.º 341/12.4GTABF desde a sua génese até sua cristalização podemos dizer que a conduta do arguido foi apreciada, nos termos que acima descrevemos, e por isso não deveria ter sido sujeito a julgamento e muito menos condenado num processo ferido de nulidade e inconstitucionalidade nos termos supra exara- dos. XXIX. Mas acrescentemos, a proibição de repetição de processos/julgamentos sobre os mesmos factos relativamente ao mesmo agente, para além de razões de elementares razões de economia processual, resulta, desde logo, do princípio ne bis in idem consagrado no artigo 29.º, n.º 5, CRP, ao estabelecer que ‘ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime’ Lei fundamental cujos preceitos, neste âmbito ‘são dire- tamente aplicáveis e vinculam entidades públicas e privadas’ conforme prevê o artigo 18.º da referida CRP. XXX. Referindo-se a Constituição a julgamento apenas, poderia considerar-se que o caso julgado se coloca apenas relativamente a decisões proferidas nesta fase e não também relativamente às proferidas em fases processuais anteriores – aqui no caso em sede de saneamento do processo (artigo 311.º). Porém, impõe-se a sua aplicação não só a sentença, como a doutras decisões finais, como a dos presentes autos referida ao processo anterior e acima descrita. XXXI. Vigorando o princípio da instrumentalidade do processo em relação ao direito substantivo e o princípio da adequação da lei adjetiva ao direito substantivo, da proibição do duplo julgamento decorre a impossibilidade do duplo processo com o mesmo objeto. Está em causa a segurança jurídica. Assim o artigo 29.º, n.º 5, da CRP, ao proibir o mais – duplo julgamento – proíbe o menos, ou seja a existência de um duplo processo, uma dupla acusação ou pronúncia do mesmo arguido pelos mesmos factos. XXXII. A proibição de ne bis in idem tem uma intenção de garantia do arguido exatamente como proibição do duplo processo. A proibição do duplo julgamento envolve a proibição do ‘duplo processo’, sendo o duplo julgamen-
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