TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
178 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ora, tal facto só tem relevância criminal se a mesma for verificada em alguém, quando num determinado local, hora, e estando num ato de condução o faz depois de ingerir bebidas alcoólicas. Isso implica que existe a necessidade de que a perseguição penal com tudo o que ela significa – a intervenção do aparato estadual com vista á obtenção de uma condenação – só se pode pôr em marcha uma vez, o poder do Estado é tão forte que um cidadão não pode estar submetido a essa ameaça dentro de um Estado de Direi- to. O caso julgado é assim uma garantia fundamental que deve impedir a múltipla perseguição penal, como é o caso dos presentes autos. O crime e a pessoa do acusado são os mesmos. XV. A expressão “mesmo crime” não deve ser interpretado no discurso constitucional, no seu estrito sentido técnico-jurídico, mas antes entendido como uma certa conduta ou comportamento, melhor como um dado de facto ou acontecimento histórico que, porque subsumível em determinados pressupostos de que depende a aplicação da lei penal de um determinado facto já julgado – e não tanto de um crime – que se quer evitar. O que o n.º 5 do artigo 29.º da CRP proíbe, é no fundo, que um mesmo concreto objeto do processo possa fundar um segundo processo penal. XVI. (…) o que transita em julgado é o acontecimento da vida que, como e enquanto unidade, se submeteu à apreciação de um tribunal. Isto significa que todos os factos praticados pelo arguido até decisão final que dire- tamente se relacionem com o pedaço de vida apreciado e que com ele formam a aludida unidade de sentido, ainda que efetivamente não tenham sido conhecidos ou tomados em consideração pelo tribunal, não podem ser posteriormente apreciados. E por isso haverá caso julgado material quando se acusa em novo processo pela mesma ação. – Condução em estado de embriaguez – embora acrescido de novas circunstâncias objeto do processo é formado por todos os atos perpetrados pelo arguido até decisão final que de forma direta se relacionam com o pedaço de vida apreciado e que com ele formam uma unidade de sentido. Os factos que não foram apreciados e que deviam sê-lo por fazerem parte integrante do mesmo ‘recorte de vida’ não podem ser posteriormente apreciados, uma vez que essa apreciação constituiria flagrante violação do principio ne bis in idem . XVII. OTribunal no âmbito do processo 341/12.4GTABF no saneamento do processo ao contrário apreciou a acu- sação e decidiu. O Saneamento do processo está inserido na estrutura do CPP no Livro VII – Do Julgamento Título I – dos atos preliminares. XVIII. A aceitação da presente acusação (processo 132/13.5TAABF) contende com princípios estruturantes do pro- cesso penal entende o recorrente, assim como com as garantias e direitos fundamentais do arguido. XIX. O processo criminal assume, por imposição constitucional, uma estrutura acusatória que, no essencial, se revela no facto do julgador se circunscrever dentro dos limites estabelecidos por uma acusação deduzida por um órgão diferenciado. Esta estrutura foi salvaguardada e aprofundada com a Lei n.º 59/98, de 25/8, confor- me decorre de uma das declarações relativa à sua votação final, onde, a propósito das alterações então intro- duzidas ao artigo 311.º do CPP, se afirmou: «Ficará, a partir de agora bem expresso que o juiz de julgamento não pode apreciar a prova indiciária do inquérito (...) e que a sua valorização apenas compete ao Ministério Público». XX. O caso julgado, em qualquer das suas manifestações – formal ou material – tutela, em primeira linha, inte- resses gerais da sociedade – a segurança jurídica e a definitividade das decisões judiciais – e, só num segundo plano, os interesses individuais. XXI. O princípio ne bis in idem , previsto como direito fundamental no n.º 5 do artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa (doravante, apenas CRP), surge como filho adotivo da Razão iluminista, em resposta às exigências liberais de racionalidade e contenção do poder punitivo público, assumindo, a partir do séc. XIX, a sua vocação de garantia do cidadão contra o arbítrio e os excessos do Estado. XXII.O principio ne bis in idem , enquanto direito fundamental, não depende da existência de um processo judicial e vincula todas as entidades públicas de igual forma. Outra das razões fundamentais para uma clara distinção
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