TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
177 acórdão n.º 246/17 IV. O recorrente foi acusado dos mesmos factos primeiramente no âmbito do Processo 341/12/GTABF – inqué- rito que correu termos no Tribunal Judicial de Albufeira, tendo sido deduzida acusação nos termos conjuga- dos dos artigos 391.º A/B e 283.º do CPP (ao abrigo do regime do processo abreviado), tendo sido notificado em 09.05.2012. V. Em 2 de julho de 2012, foi proferido despacho/decisão que nos termos do previsto no artigo 311.º, n.º 2, do CPP e n.º 3, al. d) , considerou que os factos imputados ao arguido nestes autos não consubstanciam a pratica do crime indiciado, porquanto lhe faltava um dos elementos objetivos, a taxa de álcool no sangue, igual ou superior a 1,20 g/l, com que o condutor conduzia tendo por efeito da mesma decisão sido extintas as aplicadas medidas de coação – termo de identidade e residência. VI. Da notificação da decisão/despacho das questões do art. 311.º (391.º-C do CPP) naquele processo resultou que o tribunal considerou que: a acusação tinha a identificação do arguido; [al. a) do artigo 311.º CPP]; tinha a narração dos factos [al. b) do artigo 311.º CPP]. VII. O juiz a quem é submetida uma acusação em processo abreviado para efeitos de julgamento, à semelhança do que acontece no processo comum, não pode sindicar as provas indicadas na acusação e ajuizar sobre a sua não suficiência, evidência ou simplicidade (artigos 311.º e 391.º-C do CPP). Ao juiz não cabe instruir o Ministério Público (ou o assistente) sob o modo de formular a acusação seja quan- to à descrição dos factos seja quanto à qualificação destes. Cabe-lhe apenas proferir o despacho previsto no artigo 311.º do CPP e aí, se o entender, rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada. Foi o que fez e dessa forma o tribunal deu termo ao processo por despacho. VIII. O Juiz, em consequência, decidiu declarar extinta a medida de coação aplicada ao arguido nos termos do artigo 214.º, n.º 1, alínea c) , do CPP. IX. O Ministério Público, apesar de estar perante o regime do processo abreviado, e depois do tribunal ter dado termo ao processo, considerando ainda o constante no artigo 391.º-G, não interpôs recurso, nada fez quando podia e devia ter agido, deixando transitar em julgado a decisão. X. Para o arguido cidadão, notificado que foi da decisão [artigo 311.º, n.º 3, al. d) , do CPP] de que os factos não constituíram crime e que tal decisão transitou em julgado terminou o poder punitivo do Estado. XI. No caso concreto, a decisão de rejeição da acusação ocorreu ao abrigo do disposto no artigo 311.º, n.º 3, alínea d) , do CPP: “se os factos não constituírem crime”. Esta alínea prevê apenas as hipóteses em que, não se verificando incongruência entre a factualidade descrita e o tipo penal indicado, aqueles factos não constituam qualquer crime. Tal conclusão não resulta da mera insuficiência da articulação dos factos típicos reconhecível pelo simples confronto com o tipo penal indicado na acusação. XI. Nestes casos, a acusação é materialmente infundada por pretender sujeitar o arguido a julgamento por facto que não são puníveis como crime. Ao Ministério Público restaria, pois, impugnar o despacho judicial de rejei- ção da acusação (atendo que junto aos autos existia o talão de alcoolímetro), e ao não fazer formar-se-á caso julgado material sobre a questão, extinguindo-se o procedimento criminal com o consequente arquivamento dos autos. XII. Atento o “caminho” processual percorrido, o arguido não poderia, meses mais tarde vir de novo a ser acusado em novo processo (o atual) pelos mesmos factos com a ligeira diferença de agora estar quantificado o valor de taxa de álcool que alegadamente era portador. Pergunta-se onde é que agora os factos são diferentes? XIII.Não se concorda com a afirmação constante da douta decisão quando se diz que os factos descritos na primei- ra acusação não têm qualquer relevância penal, e de que tal factualidade não poderia decorrer a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de coação. Não foi o arguido submetido naquele processo a medida de coação que depois foi por decisão judicial declarada extinta? XIV. O Estado não pode, neste concreto submeter um processo a um acusado duas vezes pelo mesmo facto, seja em forma simultânea ou sucessiva. Pode entender-se que o facto relevante é apenas ou só se reduz à taxa de valor igual ou superior a 1,20 g/l, ou seja, a sua quantificação?
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