TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
163 acórdão n.º 241/17 79.º E a natureza imperativa deste regime que decorre do referido artigo 75.º da LOE, no sentido de que pre- valece sobre quaisquer outras normas legais ou convencionais em contrário, viola, e de forma óbvia, a autonomia colectiva consagrada no artigo 56.º da CRP já que neutralizou os resultados da negociação colectiva previstos nos instrumentos de regulamentação colectiva. 80.º O art.º 75.º da LOE é assim, e por todas estas razões – que, como se vê, extravasam por completo as temá- ticas e as questões aludidas, analisadas e decididas pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 413/14 – múltipla e materialmente inconstitucional e violador de normas de direito internacional de valor hierarquicamente superior. 81.º A decisão ora sob reclamação passou, afinal, por completo ao lado de todas as questões que supra se colo- caram e analisaram, e se limitou a fazer uma espécie de uma confirmação tabelar do Acórdão n.º 413/14 do TC. Ademais, 82.º Sustentar que não houve violação do princípio da confiança no caso dos AA. porquanto quem teria for- malizado a obrigação do pagamento dos complementos de reforma teriam sido as administrações das empresas do sector público empresarial e quem agora decide o não pagamento de tais complementos era o Estado, para além de representar a completa, absurda e intolerável hipervalorização da formalidade sobre a materialidade, configura mesmo uma arrepiante e constitucionalmente inadmissível insensibilidade face à protecção da dignidade da pessoa humana e aos princípios fundamentais de um Estado de direito. 83.º Não é de todo verdade que os complementos não tenham natureza retributiva, não só no sentido de cons- tituírem, ou não, salários, mas sim e sobretudo no de serem uma contrapartida de uma vida inteira de trabalho e de consubstanciarem o (único) meio de subsistência de quem assim, tal como os AA., trabalhou. 84.º E, mais, o que foi livre e formalmente convencionado no âmbito de um negócio jurídico livre e eficaz- mente celebrado entre as partes dos contratos de trabalho dos AA. não foi uma liberalidade, uma facilidade ou um “benefício”, mas sim um direito. 85.º Acresce que nem está demonstrada a existência de um verdadeiro interesse público na solução consagrada nem muito menos que os respectivos pressupostos se ajustem à realidade, dimensão e, mesmo, brutalidade da medida. 86.º E não basta a invocação, ou sequer a própria demonstração, de um fim público legítimo para logo justi- ficar todos os meios alegadamente destinados a alcancá-los, já que o que caracteriza na sua essência um Estado de direito é precisamente que “os fins (mesmo os mais legítimos) não justificam (todos) os meios” ! 87.º Argumentar com a suposta finalidade da contribuição para o saneamento financeiro e consolidação das empresas públicas e da não menor suposta adequação de uma medida que ao mesmo tempo que, baixando o IRC, cobra menos 220 milhões de euros aos titulares dos rendimentos do capital, confisca a trabalhadores reformados do Metro de Lisboa, com pensões da ordem apenas das centenas ou, quando muito, de um milhar de euros mensais uma parcela de 40%, 50% ou 60% desse valor, para assim conseguir obter o valor, no máximo, de 13,5 milhões de euros, não tem o menor vislumbre de fundamento ou justificação. 88.º A teoria de que a fixação, por contratação colectiva, de complementos de prestação de reforma não teria um suporte jurídico-constitucional, por se tratar de meros “benefícios” e, logo, estes não fazerem parte do núcleo duro do direito de contratação colectiva, não integrando o seu conteúdo essencial, também não tem assim qualquer fundamento, quer na letra, quer na “ ratio ” da Lei Fundamental. 89.º E quanto a direitos que têm natureza obrigacional privada, não se integrando por isso no sistema de segurança social pública, é que precisamente faz sentido que eles façam, ou possam fazer, parte do âmbito da pró- pria contratação colectiva, mais ainda quando eles foram livre, expressa e formalmente negociados no momento temporal e nos estrictos condicionalismos e pressupostos em que aqui o foram. 90.º Pretender que, por a Ré se tratar de uma Empresa do Sector Público Empresarial, o mesmo Estado pode- ria legitimamente determinar, por via legislativa ou outra qualquer, que a regra do “ pacto sunt servanda ” poderia ser livremente afastada porque os AA. teriam sido suficientemente tolos para acederem a celebrar com a R. o seu contrato de trabalho, o seu acordo de pré-reforma ou a sua ida para a reforma, já que deveriam saber que a tutela em qualquer momento poderia mandar cessar o pagamento do complemento que fora requisito essencial para a formação dessa sua vontade de contratar, representa uma violação, gravíssima, do princípio da protecção da
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