TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
162 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 66.º Este preceito constitucional, por respeitar aos “direitos, liberdades e garantias”, é (tal como os outros já citados e totalmente ignorados no despacho reclamado) directamente aplicável e vincula as entidades públicas e privadas — v. art.º 18.º, n.º 1 da CRP. 67.º E a lei só pode restringir esses direitos nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos — n.º 2 do art.º18.º 68.º Trata-se, assim, de um princípio fundamental e estruturante do Estado de Direito Democrático, corres- pondente ao princípio geral de Direito que está inscrito em todas as constituições europeias, e consagrado também no art.º 7.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, igualmente vigente na Ordem Jurídica interna portuguesa, e de grau hierárquico superior ao das leis ordinárias internas, designadamente as leis do Orçamento do Estado, por exemplo a LOE-2014, integrando a Constituição material do Estado Português. 69.º Na Carta Social Europeia, as Partes subscritoras reconheceram como objectivo de uma política que prosse- guirão por todos os meios úteis, nos planos nacional e internacional, a realização de condições próprias a assegurar o exercício efectivo de todo um conjunto de direitos e princípios. Ora, 70.º Os direitos fundamentais consagrados na Carta Social Europeia e na Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores devem, segundo o art.º 151.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia, ser atendidos pela União e Estados-Membros na prossecução dos objectivos da política social. 71.º Neste sistema multinível em que na Ordem Jurídica portuguesa se integra, existe consenso no que respeita ao facto de a remuneração ou prestação de reforma ou complemento desta não se cingir ao mero aspecto econó- mico na medida em que elas estão estritamente ligadas ao bem estar do trabalhador e da sua família, numa palavra, a uma existência digna! 72.º O “Princípio da Dignidade Humana”, em que, nos termos do já citado art.º 1.º da CRP, a República Portuguesa se baseia tem de ser perspectivado, na sociedade actual, de uma forma inovadora, deixando de fazer sentido a sua invocação tão só em casos-limite. 73.º No campo dos direitos sociais, justifica-se plenamente o apelo a esse direito fundador nos casos que confi- guram exclusões sociais e/ou degradação significativa das condições de vida dos trabalhadores resultante da redução inesperada e drástica do seu meio de subsistência e das condições de vida e de trabalho em geral. 74.º Assim, e como decorrência de todo este acervo normativo que se vem de referir e analisar, forçoso se torna concluir que o art.º 75.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, ao proibir o pagamento dos complementos de reforma apenas aos trabalhadores das empresas do sector público empresarial, manifestamente violou também o princípio da igualdade, em ambas as vertentes, e o princípio da proibição da discriminação. 75.º E na violação do princípio da igualdade verifica-se não só perante a lei mas sobretudo no que concerne à dignidade social dos trabalhadores. 76.º Por isso, uma redução do meio de subsistência de quem trabalha ou já trabalhou uma vida inteira, e que se assume como diminuição de salários e/ou o congelamento de acréscimos retributivos ou complementos de pen- sões, sem que seja declarado o estado de sítio ou o estado de emergência, constitui uma flagrante violação daquele princípio elementar de tratamento igualitário, e, mais do que isso, ofende o princípio da dignidade social e humana dos trabalhadores. 77.º É que a redução de salários, tal como da prestação retributiva para os trabalhadores na pré-reforma e com- plemento da pensão de reforma para os reformados, na medida em que coloca em risco o nível de vida e os compro- missos de ordem financeira assumidos pelos trabalhadores e respectiva família anteriormente a essa redução, viola, e viola gravemente, a garantia a uma existência condigna através da retribuição prevista no n.º 1, al. a) do artigo 59.º da CRP, e que é aplicável a todo o tipo de contrapartidas, simultâneas ou subsequentes, da prestação de trabalho. 78.º As restrições aos direitos sociais mais elementares dos trabalhadores impostas pelo Estado Português aos AA. como ex-trabalhadores do sector público empresarial, sendo que a sustentabilidade das finanças públicas pros- seguida pelos orçamentos do Estado é um assunto da responsabilidade de todos os cidadãos, configura ainda uma discriminação em razão do vínculo laboral e que, por não ser previsível nem expectável pelos visados, é manifesta- mente contrária ao direito a uma existência condigna prevista no artigo 59.º, n.º 1, al. a) da CRP.
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