TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

161 acórdão n.º 241/17 55.º Se restasse alguma dúvida de que o Estado aplicou o direito da União através da redução das despesas com o pessoal inserida nas Leis do Orçamento de Estado desde 2011, as justificações apresentadas pelo Governo Português a este respeito, em conformidade, aliás, com o quadro normativo supra descrito, clarificam, de forma definitiva, essa questão. Todavia, 56.º A “margem de manobra” que o Estado-Membro dispõe para concretizar as orientações de política orça- mental consignadas no Memorando de Entendimento de todo não o desvincula da obrigação de salvaguardar os direitos fundamentais plasmados na CDFUE ! 57.º Os tribunais nacionais, e desde logo os Tribunais do Trabalho portugueses e o Tribunal Constitucio- nal, enquanto tribunais da União Europeia, estão obrigados a averiguar da correcta interpretação e aplicação da CDFUE quando esteja em causa o Direito da União Europeia, e o legislador nacional também se encontra estric- tamente vinculado ao respeito pelos ditames da mesma CDFUE. 58.º O direito a condições de trabalho dignas previsto no referido art.º 31.º, n.º 1 da Carta dos Direitos Fundamentais da U.E., num sentido amplo e interpretado à luz do princípio, essencial e basilar da dignidade do trabalhador, dos direitos fundamentais consagrados na Carta Social Europeia e do art.º 59.º, n.º 1, al. a) da CRP, corresponde ainda ao direito a uma remuneração justa no activo e uma prestação de reforma que assegure aos trabalhadores e respectiva família um nível de vida satisfatório, o que necessariamente implica a proibição absoluta da diminuição do respectivo meio de subsistência, sem o acordo do trabalhador, sobretudo no caso de o respectivo contrato, individual ou colectivo, se manter inalterado. 59.º A suspensão ou cessação do pagamento dos complementos de reforma desrespeita também o direito pre- visto no art.º 31.º, n.º 1 da Carta dos Direitos Fundamentais da U.E., por não ser de todo previsível nem expectá- vel pelos trabalhadores, os quais não podiam contar com um corte desse complemento, representando diminuições unilaterais e substanciais no seu rendimento anual, chegando mesmo a 60% e colocando em risco o nível de vida e os compromissos de ordem financeira oportunamente assumidos pelos trabalhadores e respectivas famílias. 60.º Não se trata aqui sequer de uma mera questão sobre remuneração ” stricto sensu ”, ou seja, sobre o quantum remuneratório, matéria sobre a qual é vedada qualquer intervenção da União, mas sobre condições de trabalho e de vida alteradas unilateralmente pelo Estado num aspecto primordial para os cidadãos trabalhadores e respectiva família, que é o exacto rendimento proveniente directa ou indiretamente da sua actividade profissional, presente ou passado, e com base na qual garantem a sua subsistência. 61.º Por outro lado, a referida Lei do Orçamento de Estado para 2014, em especial no citado art.º 75.º, ao estabelecer que o regime de suspensão do pagamento dos mencionados complementos de reforma é imposto contra instrumentos de regulamentação colectiva de natureza convencional, prevalecendo sobre os mesmos, é claramente contrária ao direito de negociação colectiva previsto no artigo 28.º da Carta, interligado com o já citado art.º 56.º, n.º 3 da CRP. 62.º Importa ainda verificar – verificação essa a que nem o Acórdão de 2014 nem o despacho reclamado proce- dem – ainda se, face à Constituição da República Portuguesa, a redução do meio de subsistência imposta aos AA. como ex-trabalhadores de uma Empresa do sector público e para mais com pressupostos referentes a factos que a eles são inteiramente estranhos, e com projecção para o futuro (como já teve em 2015 e continuou a ter em 2016) está em conformidade com os direitos fundamentais nessa sede consagrados. 63.º A retribuição ou a pensão, ou o complemento da pensão do trabalhador não configura apenas uma medida de natureza puramente económico-financeira com a qual se possa “jogar” livremente no quadro de uma política económica, mesmo em situação de crise grave de sustentabilidade das finanças públicas do Estado. 64.ª E para responder à questão essencial é antes de mais relevante ter presente o disposto no 1.º da CRP, o qual estabelece que “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”. Por outro lado, 65.º E no capítulo dos Direitos e Deveres Fundamentais, o art.º 13.º, n.º 1 da C.R.P. consagra o princípio da igualdade dos cidadãos em duas vertentes: em face da lei e na sua dignidade social. Ora,

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