TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
160 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 45.º A conformidade constitucional das várias soluções legislativas deve ser aferida por confronto com os pre- ceitos e princípios constitucionais, e não em função da maior ou menor “eficiência” da solução normativa em causa para conseguir atingir, ou não, estes ou aqueles objectivos de natureza económico-financeira. 46.º E estas questões são tanto mais relevantes quanto outras medidas de todo não foram, todavia, adoptadas pela referida entidade pública “mãe” (o Estado), designadamente quanto a abaixamento de impostos (só o já refe- rido IRC), a modificações unilaterais com redução ou até eliminação forçada das contra-prestações do Estado nos contratos de “ swaps ”, nas chamadas “parcerias público-privadas” ou até no âmbito das chamadas “rendas excessivas” no sector dos combustíveis e de energia! 47.º A “solução legal” que resulta desta vertente normativa do art.º 75.º da Lei OE-2014 consubstancia assim um evidente tratamento dos titulares de rendimentos como os de complementos de pensões (como é o caso dos AA.) de forma radicalmente diversa, completa, e totalmente infundamentada, da adoptada relativamente aos titu- lares de outras fontes de rendimentos (como os AA.), maxime os de capital, 48.º Impondo-lhes assim uma marcada e mesmo gritante diferença de tratamento em absoluto infundada, desadequada, desproporcionada e desnecessária, ou seja, uma autêntica discriminação dos titulares deste tipo de rendimentos relativamente aos restantes cidadãos, o que consubstancia, manifestamente e também por esta via, uma nova e incontornável inconstitucionalidade material do referido art.º 75.º da LOE-2014, agora por violação do princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da CRP, questão esta também não apreciada no Acórdão de 2014 e no despacho reclamado. 49.º A norma da Lei OE-2014 (o seu art.º 75.º), interpretada e aplicada como o foi pela mesma Empresa Ré como fundamento para a cessação do pagamento, revela-se assim multiplamente inconstitucional, também por violação designadamente do direito à contratação colectiva, consagrada no art.º 56.º, n.º 3 da CRP, bem como do princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica, ínsito na ideia do Estado de Direito consagrado no art.º 2.º da Lei Fundamental, em particular pela ausência de necessidade, de adequação e de proporcionalidade de tal medida, e enfim do princípio da igualdade, consagrado no art.º 13.º da mesma CRP ! Deste modo, 50.º Por outro lado, afigura-se evidente a desconformidade do art.º 75.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, com os princípios e objectivos plasmados nos Tratados e Convenções Internacionais já acima mencionados (nova ques- tão igualmente olvidada de todo quer no Acórdão de 2014, quer no despacho reclamado). Com efeito, 51.º Não há dúvida de que a Lei do Orçamento de Estado para 2014, tal como as para 2011, 2012 e 2013, implementaram medidas económicas e financeiras no quadro do Direito da União acima mencionado, denomi- nado pelo TJUE como quadro regulamentar para o reforço da governança económica da União e são suscetíveis de lesar direitos fundamentais previstos na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. 52.º Não está em causa uma questão de remuneração ou do sector público “ stricto sensu ” mas sim o saber se a legislação interna em causa, ao implementar e concretizar direito da União, viola ou não o princípio da igualdade, a proibição de discriminação (art.º 2.º do Tratado e art. os 20.º e 21.º da CDFUE), basilares da construção da União, as condições de trabalho dignas (art.º 31.º, n.º 1 da CDFUE), que têm na sua base o valor fundamental do respeito pela dignidade humana e a negociação coletiva, desrespeitando o conteúdo essencial desses direitos fundamentais, de natureza constitucional ou mesmo supraconstitucional. 53.º A jurisprudência do Tribunal Constitucional aplicou – e agora de forma óbvia para as subvenções vitalícias dos políticos no Acórdão n.º 3/16 – o mecanismo da ponderação de interesses, considerando legítima a restrição do princípio da igualdade por estar em causa o interesse público de consolidação orçamental a que o Estado se encontra vinculado, até por imperativos da União Europeia, mas esqueceu-se de analisar essa igualdade não apenas entre os que trabalham (ou já trabalharam uma vida inteira) num ou noutro sector, mas entre todos esses cidadãos e os outros que não trabalham, nem trabalharam, mas são titulares de rendimentos do capital. 54.º Importará, por outro lado, analisar e verificar se – coisa que manifestamente nem o Acórdão nem o des- pacho reclamado fazem – efectivamente, a redução prevista nas Leis do Orçamento de Estado e desde logo na Lei OE 2014 e no seu art.º 75.º, consubstancia tão-só uma questão puramente “interna”, ou se, ao invés, o direito da União Europeia não esteve e não continua a estar diretamente conexionado com esta linha estratégica de actuação do Estado. Ora,
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