TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

158 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL cumprir e implementar o direito da União e as obrigações assumidas no pedido de assistência financeira, sempre teriam que estar sujeitas à validação jusfundamental decorrente dos princípios e direitos fundamentais consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. 20.º Existe sobreposição de direitos fundamentais, nesta matéria, previstos na CDFUE e na Constituição da República Portuguesa, ou seja, perante ambos os catálogos, aquela medida (de redução retributiva) ofende direitos e princípios fundamentais. 21.º Não existindo qualquer conflito entre ambos os catálogos, não se colocará sequer o problema de determi- nar qual o instrumento normativo que confere um nível de protecção mais elevado, mas, a colocar-se, o princípio do primado do direito comunitário sempre imporia o respeito pela solução normativa supranacional. 22.º O caso ora sub judice demonstra a possibilidade de ocorrer uma articulação entre as duas codificações de direitos fundamentais, num sistema multinível, que lhes confere uma garantia acrescida. 23.º E se o Juiz nacional tem dúvidas – e mais ainda se é o órgão jurisdicional supremo a decidir, a nível interno, tal questão – sobre a interpretação e aplicação das normas de direito nacional de modo conforme com os preceitos e princípios do ordenamento jurídico comunitário, então deverá proceder ao reenvio prejudicial do processo ao Tribunal de Justiça da União europeia, para apreciação e decisão de tal questão de (in)conformidade, tal como aqui e agora igualmente se requer. 24.º A retribuição e o complemento de uma pensão de reforma não podem nem devem ser encarados como mero “custo económico” pois estão estritamente ligados a uma existência condigna do trabalhador e da respectiva família. 25.º A diminuição da retribuição e o corte dos complementos ao colocarem em risco a subsistência dos traba- lhadores e o seu núcleo familiar, afectam o princípio de dignidade humana, utilizado como critério interpretativo das normas constitucionais e como revelador de direitos fundamentais não escritos, impedindo que o seu quantum seja reduzido, de forma inesperada e para mais drástica, sem o acordo das partes. 26.º O corte dos referidos complementos, por ter sido apenas imposto aos trabalhadores de empresas do sector público empresarial, consubstancia ainda uma violação flagrante do princípio da igualdade e da proibição de dis- criminação em razão do vínculo laboral. Assim, 27.º A aplicação do art.º 75.º da Lei 83-C/2013, de 31/12 não só pode como deve ser recusada pelos Tribunais portugueses e desde logo pelo Tribunal Constitucional, ao abrigo do art.º 204.º da CRP. 28.º Mais! O facto de este Tribunal Constitucional ter decidido num determinado sentido em sede de fisca- lização sucessiva abstracta não impede nem inibe processualmente que possam ser accionados, por cidadãos indi- vidualmente considerados, os mecanismos de fiscalização sucessiva concreta, inexistindo aqui qualquer pretenso efeito de caso julgado. 29.º Acresce – questão esta totalmente escamoteada no despacho ora reclamado – que as inconstitucionalida- des imputadas pelos aqui AA. vão muito para além das que foram suscitadas pelos requerentes da fiscalização suces- siva abstracta, sendo que, como é óbvio, relativamente a essas outras o referido Acórdão do Tribunal Constitucional não apreciou nem decidiu coisa nenhuma em tal aresto de 2014, 30.º E, muito em particular e desde logo, a questão da patente violação do princípio da igualdade por parte de uma norma, bem como do conjunto de normas em que ela se insere no âmbito de um dado diploma legal, que faz recair o essencial do peso das chamadas “medidas de austeridade” sobre cidadãos que trabalham ou que, como os AA., trabalharam uma vida inteira por conta de outrém por contraposição com a brandura das medidas fiscais incidentes sobre os rendimentos do capital (cujo imposto – o IRC – foi aliás o único que baixou as suas taxas de tributação no período das chamadas “medidas de austeridade”!). 31.º De todo não corresponde à verdade o argumento e pressuposto daquele Acórdão do TC constante e que é o de que o Estado não teria exercido, relativamente à Empresa Ré, “influência dominante” nova especificidade esta que o despacho reclamado em absoluto esquece. Com efeito, 32.º Essa “teoria” de que o Estado não exerceria influência dominante na Empresa Ré não tem qualquer suporte fáctico e está mesmo em completa contradição com aquilo que ela, Empresa, e os diversos órgãos do Estado foram, ao longo dos tempos, apurando, declarando, assumindo e dando por assente!

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