TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
150 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL No caso, o núcleo problemático da questão de constitucionalidade da norma reconduz-se à discussão sobre se a compressão do direito à capacidade civil, inerente à declaração de contumácia – como meio de assegurar o cumprimento da prisão subsidiária, em que a pena de multa, injustificadamente não cumprida, foi convertida – respeita, desde logo, o princípio da proporcionalidade. 9. Para delimitarmos o âmbito da discussão, cumpre, em primeiro lugar, acentuar que a declaração de contumácia visa garantir a efetividade prática do efeito sancionatório da pena aplicada, por decisão transitada em julgado, ou seja, a efetiva realização das finalidades das penas, que se prendem com a proteção de bens jurídicos jusfundamentais, criminalmente tutelados. Na verdade, extrai-se do princípio do Estado de direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição – que expressamente se reporta ao “respeito e (…) garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais” – bem como do artigo 9.º, alínea b) , do mesmo diploma – que comete a aludida garantia dos direitos e liber- dades fundamentais ao Estado, como uma das suas tarefas fundamentais – que caberá ao legislador ordinário a garantia de efetivação de bens jusfundamentais, que se concretiza, relativamente a condutas especialmente ofensivas da esfera de proteção desses bens, na sua criminalização, que surge associada à criação de mecanis- mos adjetivos dotados de uma especial eficácia, nomeadamente no aspeto da prevenção e dissuasão, de forma a revestirem de exequibilidade prática o ius puniendi do Estado. Assim, ao legislador caberá, não apenas a criminalização de certas condutas, como, igualmente, assegu- rar os meios para tornar essa criminalização eficaz, garantindo formas de cumprimento efetivo das decisões condenatórias dos tribunais. É neste contexto que deve ser enquadrada a declaração de contumácia, prevista no artigo 97.º, n.º 2, do CEPMPL. A circunstância de a pena de prisão, a cujo cumprimento a declaração de contumácia se dirige, ser resul- tante da conversão de uma pena de multa injustificadamente não cumprida não altera os dados do problema, na perspetiva constitucional, atenta a natureza da multa como verdadeira pena. No presente processo, não se discute a constitucionalidade da convertibilidade da multa em pena de prisão, mas da norma que prevê a utilização do mecanismo da declaração de contumácia, evitando-se que o condenado se exima ao cumprimento da pena de prisão subsidiária. Tal mecanismo legal é necessário para garantir a efetiva execução da pena, vencendo a resistência do condenado, correspondendo, assim, a um meio idóneo de concretização de tal finalidade. Por outro lado, não se traduz num instrumento excessivamente compressor do direito à capacidade civil, tanto mais que se destina a garantir o efetivo cumprimento de uma medida penal privativa da liberdade: uma pena de prisão, correspondendo, desta forma, a um minus relativamente ao efeito aflitivo de tal pena, na esfera jurídica pes- soal do condenado. Note-se, aliás, que a declaração de contumácia não se encontra legalmente reservada aos casos que envolvem o cumprimento de uma pena, sendo igualmente aplicável nas situações em que, independente- mente da gravidade do crime indiciado, não se mostra possível a notificação do arguido do despacho que designa o dia para a audiência de julgamento, ou não se mostra possível executar a detenção ou prisão pre- ventiva, isto é, em pleno domínio do princípio da presunção de inocência (artigo 335.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). Por tudo quanto fica exposto, conclui-se que a norma que prevê a declaração de contumácia, como forma de garantir a execução prática da prisão subsidiária, resultante da conversão da pena de multa injus- tificadamente não cumprida, obedece ao princípio da proporcionalidade, sendo adequada e necessária para alcançar o objetivo que a justifica, e, finalmente, proporcional, em sentido estrito, apresentando-se como equilibrada e correspondente à justa medida da restrição, tendo em conta a ponderação do peso relativo de cada um dos concretos bens jurídicos constitucionais em confronto, ou seja, do direito à capacidade civil, e
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