TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
110 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL pressuposto de recorribilidade da coincidência entre a interpretação normativa impugnada e a ratio decidendi da decisão recorrida abrangesse as normas implícitas, não importando os termos literais ou verbais usados na decisão recorrida, mas uma «visão substancial» das questões (Acórdãos n. os 235/93 e 545/07; Acórdãos n. os 481/94, 637/94, 253/93 e 60/95); por outro, o requisito da natureza normativa do recurso, quando estão em causa violações dos direitos fundamentais, deve ser entendido de forma flexível, de forma a aceitar a «norma do caso», sob pena de as discussões jurídicas entre o Tribunal Constitucional e o recorrente se transformarem, como afirmava o Conselheiro Paulo Mota Pinto (“Reflexões sobre jurisdição constitucional e direitos funda- mentais nos 30 anos da Constituição da República Portuguesa” , in Themis, Revista da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 2006, p. 213, nota 36), numa espécie de “jogo do gato e do rato”, que emite para a sociedade uma imagem do Tribunal Constitucional como umTribunal de exegeses complexas e opacas para os cidadãos, em vez de ser um Tribunal dos Direitos Fundamentais. Entendo, portanto, que o recurso devia ter sido admitido por estar em causa a constitucionalidade da norma contida no artigo 191.º, n.º 2, do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas de Liberdade, que admite o poder discricionário – apenas condicionado a juízos de necessidade – do Tribunal de Execução de Penas dispensar a audição do recluso para decidir acerca da licença de saída jurisdicional. Bastaria até a invocação do teor literal desta norma para que o recurso fosse aceite. Contudo, o aditamento pelo recor- rente, ao teor literal da norma, do seu contexto aplicativo – uma situação em que o Tribunal declara, para fundamentar a decisão, factos interiores à pessoa do recluso, não indicando os meios de prova em que baseou a sua convicção e não lhe concedendo o direito de audição – só reforça a pertinência da questão de consti- tucionalidade ser conhecida por este Tribunal, não sendo adequado, na perspetiva de uma jurisprudência amiga dos Direitos Fundamentais, usar diferenças mínimas e apenas semânticas, entre a forma como são expostas as dimensões normativas pelo tribunal recorrido e pelo recorrente, para rejeitar o recurso. – Maria Clara Sottomayor. DECLARAÇÃO DE VOTO Fiquei vencido porque entendo que o recurso de constitucionalidade deveria ter sido admitido. Não me impressionam especialmente as dificuldades processuais de que o aresto dá conta, nomeada- mente as relativas aos efeitos de um eventual juízo positivo de inconstitucionalidade. O que verdadeiramente me impressiona, em sentido oposto, são dois aspetos materiais. O primeiro e mais importante consubstancia-se em ter sido recusado ao reclamante o direito de con- trariar as afirmações anónimas e obscuras que ditaram a solução de impedir a saída jurisdicional que havia requerido. Esta recusa afigura-se-me absolutamente intolerável e, na medida em que resulta de uma interpre- tação normativa, contrária à Lei Fundamental. O segundo radica na clara perceção de que as supostas “elevadas exigências de prevenção geral positiva” resultaram, afinal, da mera cedência a fatores controversos de censura social da comunidade hipoteticamente operantes – provavelmente não mais do que a irritação mesquinha da vizinhança. – João Pedro Caupers.
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