TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
89 acórdão n.º 526/16 arrendamento, apesar de o senhorio ter, também ele, essa idade, o Tribunal Constitucional enunciou que «o princípio da igualdade – que, como é sabido, impõe se dê tratamento igual às situações essencialmente iguais e tratamento diferente às situações que forem essencialmente diferentes – o que recusa é o arbítrio legislativo, as soluções irracionais ou irrazoáveis, por serem carecidas de fundamento material ou racional capaz de as sustentar» (parágrafo 4.3.), tendo concluído pela não inconstitucionalidade da norma. Este entendimento veio a ser posteriormente reiterado pelo Acórdão n.º 122/04. No âmbito específico de tratamento diversificado de acesso a pensões de familiares de vítimas mortais de acidente de trabalho conforme sejam do sexo masculino ou feminino, por referência à idade, existe também jurisprudência do Tribunal Constitucional, mas relativa à eventual discriminação em razão do sexo – o que mobiliza a aplicação do artigo 13.º, n.º 2, da Constituição e não, como no presente caso, o n.º 1 do mesmo preceito (cfr. v. g. os Acórdãos n.º 181/87, parágrafo 4.1.2; n.º 449/87, parágrafos 5 e 6; n.º 191/88, pará- grafos 8-13 e n.º 609/94, parágrafo II. 3.2.). Assim, no presente caso, o esforço interpretativo a desenvolver deve «partir da descoberta da ratio da disposição em causa» para poder «avaliar se a mesma possui uma “fundamentação razoável” ( vernünftiger Grund )» (cfr. Acórdão n.º 232/03, III. 2.) 7. A norma objeto do presente processo estabelece que caso os trabalhadores vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional tenham uma idade igual ou superior a 50 anos, os «coeficientes de inca- pacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo fator 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG × 0.5)», quando não tenham já beneficiado da aplicação desse fator. Trata-se do mesmo regime que é aplicável se «a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho», sendo a bonifica- ção aplicada apenas na ausência de outra bonificação equivalente. Passemos à análise da ratio deste regime. O legislador do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outu- bro, que aprovou a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, teve em conta as características da área laboral. De acordo com o preâmbulo do diploma, «a avalia- ção médico-legal do dano corporal» é um campo de especial complexidade, nomeadamente por «serem necessariamente diferentes os parâmetros de dano a avaliar consoante o domínio do direito em que essa avaliação se processa, face aos distintos princípios jurídicos que os caracterizam. (…). No direito laboral, por exemplo, está em causa a avaliação da incapacidade de trabalho resultante de acidente de trabalho ou doença profissional que determina perda da capacidade de ganho (…)». De facto, «a proteção jurídico- -laboral reforçada dos sinistrados ou doentes é um princípio básico, do qual não se pode abdicar, em defesa dos mais elementares direitos dos trabalhadores. Na realidade, tal princípio justifica por si só, quer a manutenção de um instrumento próprio de avaliação das incapacidades geradas no específico domínio das relações do trabalho, quer ainda a sua constante evolução e atualização, por forma a abranger todas as situações em que, do exercício da atividade laboral, ou por causa dele, resultem significativos prejuízos para os trabalhadores, designadamente os que afetam a sua capacidade para continuar a desempenhar, de forma normal, a atividade profissional e, consequentemente, a capacidade de ganho daí decorrente». A revisão da Tabela assentou no «pressuposto da humanização de um processo de avaliação das incapacida- des que sempre deve ter em conta que o dano laboral sofrido atinge a pessoa, para além da sua capacidade de ganho». Assim, as soluções legais do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, no que diz respeito à Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, são justificadas pela consa- gração de um regime autónomo, distinto do aplicável ao dano civil, especificamente desenhado para o dano laboral que atinge a capacidade de ganho do trabalhador e também a pessoa. É neste contexto que surge um regime diferenciado dado a um grupo de trabalhadores face aos restantes trabalhadores, tendo como critério de aplicação a idade (igual ou superior a 50 anos, como se referiu). Pela inserção sistemática, pode concluir-se que o legislador traça uma aproximação entre esta situação e a dos
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