TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

63 acórdão n.º 519/16 exercidas pela iniciativa privada. Outro objectivo que, com a nacionalização, se pretende atingir é melhorar as condições de trabalho e de remuneração dos trabalhadores da «unidade produtiva» nacionalizada. Como assinala Mota Pinto, Direito Público da Economia, Coimbra, lições de 1982-1983, p. 170, a nacio- nalização é, assim, um acto político, expresso embora num acto jurídico, com o qual se transferem bens da propriedade privada para a propriedade pública, «com o intuito de [os] gerir no interesse colectivo». O que mais importa na nacionalização – diz Manuel Afonso Vaz, Direito Económico, Coimbra, 1977, p. 187 –, «não é o valor real do património do bem ou bens, mas o facto de se tratar de uma ‘unidade produtiva’». Do que, fun- damentalmente, se trata é, pois, de subtrair à propriedade privada determinados bens, em virtude de – como já se disse – se entender que é do interesse da colectividade que eles passem para a titularidade do Estado e sejam geridos de acordo com o interesse geral. 2.2 – A circunstância de a nacionalização ser um acto político (com forte carga ideológica por isso mesmo) vai, naturalmente, ter implicações na questão da indemnização. Assim, informa Mota Pinto, ob. cit. , p. 175, que alguns países do Leste europeu, como a Roménia, a República Democrática Alemã, a Checoslováquia, etc., cujas constituições consagravam o princípio da indem- nização – contrariamente ao que sucedia com a Constituição da URSS –, nacionalizaram, mas não pagaram quaisquer indemnizações, porque as normas regulamentadoras nunca foram promulgadas. (Sobre o tema, cfr. também Fernando José Bronze, «As indemnizações em matéria de nacionalizações», cit.) No Ocidente europeu, porém, os Estados pagaram as correspondentes indemnizações aos titulares dos bens nacionalizados, muito embora a França não tenha indemnizado no caso das empresas que foram nacionaliza- das a título sancionatório, por terem colaborado com o regime nazi, como sucedeu com a Renault. E muito embora também, em muitos casos, a indemnização tenha sido apenas parcial e efectuada através de títulos do Estado que, ficando temporariamente imobilizados, viram o seu valor depreciar-se a grande velocidade – como informa José Fernando Nunes Barata, in Polis , 4, vocábulo «Nacionalização», colunas 515 e segs. (Sobre o tema, cfr. Gaspar Ariño Ortiz, « La indemnizacion en las nacionalizaciones », in Revista de Administración Pública, n. os 100-102, 1983, vol. III, pp. 2789 e segs.) Quando, pois, como sucede entre nós, a Constituição garante o direito de propriedade privada (cfr. artigo 62.º, n.º 1) e, em certos termos, a livre empresa (cfr. artigo 61.º, n.º 1) a nacionalização de bens tem, em prin- cípio, que dar lugar a indemnização – e a indemnização que obedeça a um princípio de justiça. 2.3 – A nossa Constituição preceitua, no artigo 82.º, que a «lei determinará os meios e as formas de intervenção e de nacionalização e socialização de meios de produção, bem como os critérios de fixação de indemnizações». Isso depois de, no artigo 62.º, n.º 2, estabelecer que «a requisição e a expropriação por uti- lidade pública só podem ser efectuadas com base na lei, e, fora dos casos previstos na Constituição, mediante pagamento de justa indemnização». Um caso há, de facto, previsto na Constituição, em que a expropriação não confere direito a indemnização: trata-se da expropriação de bens económicos ao abandono, quando esse abandono seja injustificado (cfr. artigo 87.º, n.º 2, da Constituição). O texto constitucional, na sua versão originária, permitia ainda que a lei determinasse que as expropriações de latifundiários e de grandes proprietários e empresários não desse lugar a qualquer indemnização (cfr. o então n.º 2 do artigo 82.º). O legislador ordinário não enveredou, porém, por esse caminho. 2.4 – O regime das indemnizações por nacionalização previsto na lei é, entre nós, como informa Mota Pinto, Direito Económico Português, cit., p. 20) «um regime que é diferente, e mais desfavorável para os ante- riores titulares, do consagrado nos países da Europa Ocidental onde houve nacionalizações» e «é, igualmente, diverso da ausência de indemnização que caracterizou as nacionalizações do Leste europeu». «Escolheu – conti- nua o mesmo autor – uma espécie de terceira via: nem indemnização do valor objectivo com tratamento igual dos accionistas, independentemente do volume da carteira de acções de cada um, nem nacionalização sem qualquer indemnização». 2.5 – Foi a Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro (alterada pelo Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro, por sua vez ratificado, com alterações, pela Lei n.º 36/81, de 31 de Agosto), que veio regulamentar os direitos de

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