TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
573 acórdão n.º 698/16 Aqueles preceitos legais, com interesse para a definição dos elementos do tipo legal de crime em causa, limitam-se a determinar o período temporal em que ocorreram as operações tributáveis, cujo decurso obriga à apresentação da declaração indicadora do montante do imposto a entregar ao Estado, relativo a esse período. Daí que o alhea- mento das finalidades perseguidas por essas normas a qualquer valoração penal não coloca em causa a satisfação da exigência duma prévia previsão legal desse sancionamento, uma vez que aquelas se limitam a servir como “bengalas de apoio”na descrição típica, não deixando esta de ser efetuada, no seu essencial, pela lei penal”. Independentemente da questão de saber se a norma remissiva constante do n.º 3 do artigo 103.º do RGIT constitui efetivamente, como defendem os reclamantes, uma norma penal em branco – à semelhança do que se observou no Acórdão n.º 146/11 a propósito do n.º 7 do artigo 105.º do RGIT, também aqui não deixará de salientar-se que, no que ao IVA concerne, as normas convocadas são igualmente as constan- tes do CIVA, diploma que, tendo sido aprovado por Decreto-Lei emitido pelo Governo, com autorização da Assembleia da República, provém de uma fonte normativa não inferior à da norma remissiva, o que, de acordo com alguma doutrina, impede que esta se qualifique como uma norma penal em branco (sobre o conceito de norma penal em branco, vide O regime legal do erro e as normas penais em branco , Teresa Beleza/ Frederico de Lacerda Costa Pinto, Coimbra, 1999, pp. 31-35, e Jorge Miranda/Miguel Pedrosa Machado, “Constitucionalidade da proteção dos direitos de autor e da propriedade industrial. Normas penais em branco, tipos abertos, crimes formais e interpretação conforme à Constituição”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, n.º 4, 1994, pp. 483-486) —, é, pois, a todos os títulos inequívoco o caráter meramente concretizador das normas tributárias para que remete. Por isso, à luz da premissa, recorrentemente afirmada na jurisprudência deste Tribunal, segundo a qual a validade constitucional das “normas penais em branco” apenas deverá considerar-se excluída, por força do “princípio da tipicidade (no sentido da exigência de uma descrição clara e precisa do facto punível)”, nas hipóteses em que “a remissão feita para a norma complementar p[user] em causa a certeza e determinabili- dade da conduta tida como ilícita, impedindo que os destinatários possam apreender os elementos essenciais do tipo de crime” (cfr. Acórdão n.º 115/08), é ostensiva a inatendibilidade dos fundamentos dos recursos. Mais: na medida em que, como é próprio dos crimes de perigo, a dispensa de verificação de um resul- tado danoso é compensada, no âmbito do artigo 103.º do RGIT, pela maior densificação da conduta proi- bida − ao ponto de converter o ilícito-típico num crime de execução vinculada (cfr. Paulo Dá Mesquita, loc. cit. , p. 108) −, a margem de complementação típica à partida atribuível às normas tributárias convocadas, no confronto com o crime de abuso de confiança fiscal previsto no artigo 105.º do mesmo diploma legal, é ali (ainda) menor e, por isso, correlativamente (ainda) maior a efetiva possibilidade de, com recurso apenas à(s) norma(s) penal(ais), serem apreendidos pelos seus destinatários os elementos essenciais do tipo de crime. Também por aqui se vê a total inviabilidade da pretensão dos recorrentes, tornando-se, assim, a todos os títulos manifesta a inatendibilidade dos fundamentos que, nesta parte, acompanham os recursos interpostos. b) Inconstitucionalidade imputada ao artigo 50.º do Código Penal e ao bloco normativo sediado no artigo 50.º do Código Penal e nos artigos 374.º, n.º 2, e 375.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal. 11. Para além das duas questões de constitucionalidade que vimos de considerar, os reclamantes B. e C. suscitaram ainda, nos requerimentos de interposição dos respetivos recursos, a inconstitucionalidade: i) por violação do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, da interpretação alegadamente feita pelo tribunal recorrido do artigo 50.º do Código Penal, de acordo com a qual “o fator único para apreciação da possibilidade de aplicação da suspensão da execução a pena de prisão é gravidade do ilícito e as circunstâncias do mesmo, sem se atender à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime”; ii) por violação o dever de fundamentação das decisões judiciais imposto no artigo 205.º da Constituição, entendimento normativo alegadamente extraído pelo tribunal recorrido dos artigos 50.º do Código Penal e 374.º, n.º 2, e 375.º, n.º 1, estes do Código de Processo Penal, de acordo com o qual “a fundamentação
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=