TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

572 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL À semelhança do que sucede no âmbito do crime de abuso de confiança fiscal (cfr. artigo 105.º, n.º 1, do RGIT), os n. os 2 e 3 do artigo 103.º do RGIT condicionam a relevância penal da conduta defraudatória ao valor da diminuição das receitas tributárias intentada obter pelo agente, prescrevendo que os atos tipifi- cados no respetivo n.º 1 deixarão de ser puníveis “se a vantagem patrimonial ilegítima”, entendida conforme se deixou exposto, “for inferior a € 15 000” (n.º 2), efeito para o qual deverão considerados os valores “que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária” (n.º 3). Trata-se, também aqui, de uma cláusula quantitativa de delimitação da responsabilidade por referência ao “prejuízo penalmente significativo para o Erário-Público” (cfr. Susana Aires de Sousa, ob. cit. , p. 302), que coloca a punibilidade da conduta na dependência da medida em que a atuação empreendida efetivamente diminuiu ou era apta a diminuir as receitas tributárias. Uma vez que a medida dessa diminuição só pode estabelecer-se em presença do montante do imposto efetivamente devido pelo sujeito tributário de acordo com o específico regime jurídico previsto para a espé- cie concretamente em causa, a norma constante do n.º 3 do artigo 103.º prescreve, em termos inteiramente idênticos àqueles que o n.º 7 do artigo 105.º estabelece para o crime de abuso de confiança fiscal, que os valores a considerar para tal efeito “são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária”. O segmento em que, por força da remissão constante do n.º 3 do artigo 103.º do RGIT, a lei tributária é chamada a fattispecie correspondente ao tipo legal da fraude fiscal é apenas o da determinação do valor do imposto devido: sem que daí advenha a colocação de um qualquer diferente pressuposto de punibilidade que não resultasse já da categorização constante do próprio RGIT, trata-se de estabelecer, com recurso às normas que, no âmbito do regime jurídico previsto para cada tipo de tributo, fixam a periodicidade da res- petiva liquidação, definem a correspondente base de incidência, regras de apuramento e taxas aplicáveis, e estipulam os termos da sua entrega à Administração Fiscal, o único valor por referência ao qual é computável − e deve ser por isso computada − a medida da diminuição das receitas tributárias alcançada ou intentada alcançar pelo agente do crime. No âmbito da delimitação negativa da conduta proibida, a técnica remissiva seguida no n.º 3 do artigo 103.º do referido diploma legal tem por isso apenas a função de permitir a concretização do conceito de “vantagem patrimonial indevida”, entendido no sentido que acima se deixou exposto, dispensando a infazí- vel tarefa de replicar ou reproduzir, no âmbito do tipo incriminador da fraude fiscal, o conjunto das normas tributárias que, por referência a cada uma espécie de tributo, permitem definir o valor do imposto efetiva- mente devido pelo sujeito tributário agente do crime. Isso mesmo foi notado, a propósito da remissão constante do n.º 7 do artigo 105.º do RGIT, no Acór- dão n.º 146/11, indicado no douto Parecer do Ministério Público. Neste aresto, depois de ter identificado como problema a solucionar justamente o de saber se aquela norma seria desconforme à Constituição, “por não cumprir as exigências do princípio da tipicidade, mercê do conteúdo integral da sua previsão só poder ser obtido através de recurso à consulta de normas de natureza tributária”, afirmou o Tribunal o seguinte: “(…) a técnica legislativa da remissão, tão frequente na tipificação do direito penal económico, é perfeitamente compreensível neste caso, uma vez que não cumprindo à lei penal, mas sim à lei tributária, estipular a periodi- cidade de liquidação, declaração e entrega dos valores respeitantes a impostos, cujos valores foram deduzidos ou repercutidos pelos sujeitos passivos, justifica-se que para a determinação da prestação tributária cuja não entrega é criminalizada, se recorra a tais estipulações técnicas, não sendo exigível a réplica de todas essas normas no tipo incriminador único de abuso de confiança fiscal. (…) [A]s normas do CIVA aplicáveis, limitam-se a auxiliar a concretização do conceito de prestação tributária, cuja não entrega é o elemento fundamental do tipo legal de crime de abuso de confiança tributária, não acrescentando um diferente pressuposto de punibilidade que não resultasse já da previsão constante do artigo 105.º, do RGIT.

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