TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

571 acórdão n.º 698/16 de toda a atividade processual subsequente que de outro modo teria lugar sem afetar a especial garantia proporcionada pelo juízo em última instância deferido ao próprio Tribunal Constitucional. E isto porque, não só a decisão de não admissão do recurso com base no seu caráter manifestamente infundado é sempre reclamável para o Tribunal Constitucional, como o julgamento dessa reclamação compete invariavelmente aí à conferência a que se refere o n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC – ou, no caso de não haver unanimidade dos juízes intervenientes, ao pleno da Secção respetiva (cfr. artigo 77.º, n.º 1, da LTC) —, isto é, à mesma exata formação que, no caso de o recurso, uma vez admitido, vir a ser julgado através de decisão sumária proferida nos termos previstos no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC − isto é mediante o reconhecimento de que a questão a decidir é simples, por ser manifestamente infundada − competiria apreciar a reclamação que dessa decisão viesse a ser apresentada. Também do ponto de vista da formação competente para a verificação, em última instância, do efetivo carácter manifestamente infundado do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC inexiste, em suma, qualquer procedente razão para que se não acolha o critério interpretativo para aquele efeito seguido pelo tribunal a quo. 10. A questão de constitucionalidade suscitada nos requerimentos de interposição do recurso inscreve-se no tema da compatibilidade com o princípio da legalidade penal, consagrado no artigo 29.º da Constituição, das normas penais constantes do RGIT que, no específico âmbito do estabelecimento dos critérios operativos dos chamados limites negativos da punição (cfr. Susana Aires de Sousa, Os Crimes Fiscais , Coimbra Editora, p. 304) – ou, na terminologia acolhida pelo acórdão recorrido, das “cláusula[s] objetiva[s] de extinção das responsabilidade” (cfr. fls. 698) − elegem como “valores a considerar” para o efeito aqueles que “nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária”. No âmbito dos crimes fiscais, é consensual na doutrina a perspetiva segundo a qual o bem jurídico pro- tegido é constituído pelo “património encabeçado pelo Estado-Fisco”, compreendido como “o conjunto de pretensões ao recebimento integral e tempestivo dos diferentes tributos, nos termos previstos nas respetivas leis” (cfr. Costa Andrade, “A Fraude Fiscal – Dez anos depois, ainda um 'crime de resultado cortado?', in Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários, Coimbra Editora, 2009, V.III, p. 256). Por isso, também no tipo legal da fraude fiscal o bem jurídico protegido coincide com o interesse esta- dual na obtenção de receitas fiscais – no sentido de “importâncias que o Estado tem a receber” “de acordo com as formas e os critérios pré-definidos na lei” (cfr. Paulo Dá Mesquita, “Sobre os crimes de fraude fiscal e de burla”, in Direito e Justiça , Vol. XV, Tomo 1, 2001, pp. 101-157, p. 111) − ou, numa outra formulação, das “receitas tributárias enquanto componente ativa do património tributário do Estado” (cfr. Susana Aires de Sousa, ob. cit. , p. 71): o que está em causa é a proteção do património tributário na dimensão relativa à obtenção integral e tempestiva das receitas provenientes de cada tipo de imposto. Por isso, seja qual for a configuração que concretamente assuma – isto é, a forma de um arbitrário não pagamento ou pagamento reduzido, da obtenção de um benefício indevido ou de reembolso sem suporte legal −, a fraude fiscal está sempre vinculada à suscetibilidade de se causar uma diminuição das receitas tri- butárias, o que pressupõe a idoneidade ou aptidão dos atos defraudatórios para produzirem aquele resultado (cfr. Susana Aires de Sousa, ob. cit. , p. 76), ainda que o mesmo não chegue efetivamente a concretizar-se. Neste sentido, é comum afirmar-se que a aptidão da conduta para diminuir as receitas tributárias cons- titui o “elemento típico essencial da fraude fiscal”, apresentando-se a “vantagem patrimonial ilegítima” inten- tada obter pelo agente – que, de acordo com a tipificação constante do n.º 1 do artigo 103.º do RGIT, con- substancia o elemento subjetivo específico deste crime – como o reverso dessa diminuição: a diminuição das receitas tributárias a que intentam os atos defraudatórios constitui o correlativo da “vantagem patrimonial ilegítima”, determinando a recondução dessa vantagem ao montante que o sujeito pretendeu indevidamente deixar de pagar, ou, mais claramente ainda, ao valor da prestação tributária em falta (cfr. Susana Aires de Sousa, ob. cit. , p. 88, e, no mesmo sentido, Paulo Dá Mesquita, Sobre os crimes de fraude fiscal e de burla , loc. cit. , pp. 109-110).

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=