TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

545 acórdão n.º 698/16 IX – No tipo legal da fraude fiscal o bem jurídico protegido coincide com o interesse estadual na obtenção de receitas fiscais, por isso, seja qual for a configuração que concretamente assuma – isto é, a forma de um arbitrário não pagamento ou pagamento reduzido, da obtenção de um benefício indevido ou de reembolso sem suporte legal −, a fraude fiscal está sempre vinculada à suscetibilidade de se causar uma diminuição das receitas tributárias; a aptidão da conduta para diminuir as receitas tributárias constitui o “elemento típico essencial da fraude fiscal”, apresentando-se a “vantagem patrimonial ilegítima” intentada obter pelo agente – que, de acordo com a tipificação constante do n.º 1 do artigo 103.º do RGIT, consubstancia o elemento subjetivo específico deste crime – como o reverso dessa diminuição. X – Os n. os 2 e 3 do artigo 103.º do RGIT condicionam a relevância penal da conduta defraudatória ao valor da diminuição das receitas tributárias intentada obter pelo agente; o segmento em que, por força da remissão constante do n.º 3 do artigo 103.º do RGIT, a lei tributária é chamada a fattispecie corres- pondente ao tipo legal da fraude fiscal é apenas o da determinação do valor do imposto devido, sem que daí advenha a colocação de um qualquer diferente pressuposto de punibilidade que não resultasse já da categorização constante do próprio RGIT, pelo que, independentemente da questão de saber se a norma remissiva constante do n.º 3 do artigo 103.º do RGIT constitui efetivamente uma norma penal em branco, é a todos os títulos inequívoco o caráter meramente concretizador das normas tri- butárias para que remete. XI – Por isso, à luz da premissa, recorrentemente afirmada na jurisprudência deste Tribunal, segundo a qual a validade constitucional das “normas penais em branco” apenas deverá considerar-se excluída, por força do “princípio da tipicidade (no sentido da exigência de uma descrição clara e precisa do facto punível)”, nas hipóteses em que “a remissão feita para a norma complementar p[user] em causa a certeza e determinabilidade da conduta tida como ilícita, impedindo que os destinatários possam apreender os elementos essenciais do tipo de crime”, é ostensiva a inatendibilidade dos fundamentos dos recursos; mais: na medida em que, como é próprio dos crimes de perigo, a dispensa de verificação de um resultado danoso é compensada, no âmbito do artigo 103.º do RGIT, pela maior densificação da conduta proibida − ao ponto de converter o ilícito-típico num crime de execução vinculada −, a margem de complementação típica à partida atribuível às normas tributárias convocadas, no con- fronto com o crime de abuso de confiança fiscal previsto no artigo 105.º do mesmo diploma legal, é ali (ainda) menor e, por isso, correlativamente (ainda) maior a efetiva possibilidade de, com recurso apenas à(s) norma(s) penal(ais), serem apreendidos pelos seus destinatários os elementos essenciais do tipo de crime; também por aqui se vê a total inviabilidade da pretensão dos recorrentes, tornando-se, assim, a todos os títulos manifesta a inatendibilidade dos fundamentos que, nesta parte, acompanham os recursos interpostos. XII – Quanto à inconstitucionalidade imputada ao juízo de confirmação das consequências jurídicas dos crimes por cuja prática foram condenados, tal como definidas em primeira instância, consubstancia uma versão interpretativa do regime legal fixado no artigo 50.º do Código Penal que não encontra qualquer correspondência nos fundamentos de que, para confirmar nessa parte a decisão proferida pelo tribunal de primeira instância, se socorreu o tribunal a quo; com efeito, o fundamento jurídico fixado ao julgado não procede, sequer implicitamente, da ideia de que “o fator único para aprecia- ção da possibilidade de aplicação da suspensão da execução a pena de prisão é a gravidade do ilícito

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