TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

531 acórdão n.º 612/16 pelos destinatários de tal norma penal, quer, em segundo lugar, pelo próprio julgador, no momento de aplicação da mesma norma penal, pelo que tal aplicação sempre é violadora do princípio segundo o qual nullum crimen sine lege certa. 78. Princípio este que, segundo nos ensina Américo Taipa de Carvalho ( Direito Penal, Coimbra Editora, 2.ª Edição, Reimpressão, Coimbra, outubro 2014, pp, 162 e 163), tem dignidade constitucional, por constituir, como constitui, uma vertente do Princípio Constitucional da Legalidade Penal, positivado, designadamente, no artigo 29.º-2, da Constituição da República Portuguesa (CRP). 79. Isto, por um lado, enquanto que, por outro lado, a interpretação do artigo 107.º, do RGIT, segundo a qual, não e aplicável a esse crime, o limite de 7 500 euros, constante do artigo 105.º-1, do mesmo RGIT, nem aliás qualquer outro limite, possibilitando, como possibilitaria, que a não entrega à segurança social de, por exemplo, um cêntimo que fosse, de quotizações deduzidas, constituiria a prática de um crime, cuja pena, abstratamente aplicável, poderia ser de prisão até 3 anos, sempre seria violadora do Princípio da Dignidade Penal, o qual tem também cariz constitucional. Motivos pelos quais, a norma penal resultante da conjugação dos artigos 105.º e 107.º, ambos do RGIT, padece do vício da inconstitucionalidade (seja lá tal vicio o que seja, isto é, uma nulidade, uma anulabilidade, ou um tertium genus ), por violação do Princípio da Legalidade Penal, como também a interpretação de tais artigos 105.º e 107.º, ambos do mesmo RGIT, segundo a qual não é aplicável ao crime, a que alude o número 1 do mesmo artigo 107.º do RGIT, o limite de 7 500 euros, previsto no artigo 105.º-1, do mesmo RGIT, nem aliás qualquer outro limite, padece igualmente do vicio da inconstitucionalidade, por violação do Princípio Constitucional da Dignidade Penal. Inconstitucionalidade essa que aqui fica, pois, desde já, invocada, para os devidos e legais efeitos, sendo certo que o Tribunal Constitucional pode sindicar, não só, naturalmente a contrariedade de uma norma à Constituição, mas também uma determinada interpretação ou dimensão normativa de normas, como a jurisprudência consti- tucional vem defendendo sistematicamente, e resulta aliás, expressamente, do artigo 80.º-3, da Lei do Tribunal Constitucional, que se reporta a verdadeiras e próprias decisões interpretativas do Tribunal Constitucional, abran- gendo portanto o caso, a que aqui nos estamos a referir, que se pode considerar como uma decisão interpretativa imprópria, equiparável a uma decisão de inconstitucionalidade parcial vertical ou quantitativa. O Tribunal Constitucional e quaisquer outros tribunais, que, em sede de fiscalização concreta da constitucio- nalidade, prevista no artigo 280.º, da CRP, tenham para isso competência funcional. Tribunais esses que, no sistema de fiscalização de constitucionalidade misto que vigora em Portugal, podem ser quaisquer tribunais, pois que, face à vertente difusa ou do Juiz Marschal, de tal sistema misto, qualquer tribunal pode desaplicar uma norma, por, numa decisão positiva da inconstitucionalidade, a julgar inconstitucional, muito embora, a última palavra quanto à inconstitucionalidade das normas, e face à vertente concentrada, austríaca ou de Hans Kelsen, do nosso atrás referido sistema misto, caiba sempre ao TC. Entre tais tribunais se incluindo pois esse Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, requerendo-se por isso a V. Ex.ª, que, considerando, pelos motivos atrás referidos, inconstitucional, a norma resultante dos artigos 105.º e 107.º, ambos do RGIT, e/ou a interpretação dessa norma, segundo a qual o limite de 7.500,00 euros, a que alude o número 1, do artigo 105.º, do RGIT, não tem aplicação ao crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto no número 1 do artigo 107.º, do mesmo RGIT, por violação dos Princípios Consti- tucionais da Legalidade Penal, e da Dignidade Penal, desaplique tal norma, com todas as consequências legais de tal desaplicação advenientes, designadamente a não pronuncia do A. pela prática do crime pelo qual ele foi acusado, pois que as condutas constantes da acusação, ainda que fossem todas verdadeiras, que não são, não tipificam a pratica de qualquer crime. […]”.

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