TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

525 acórdão n.º 569/16 12. Cumpre recordar estar em causa o presente recurso a alegada incompatibilidade entre uma norma interna e normas constante de um ato emanado de uma instituição da União Europeia – a Diretiva n.º 91/263/CEE, do Conselho, que, de acordo com o disposto no artigo 288.º do Tratado sobre o Fun- cionamento da União Europeia, «vincula o Estado membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios». Estas últimas, não se reconduzindo nem ao Direito Internacional geral nem ao Direito Internacional convencional (nem tão- -pouco aos tratados que regem a União Europeia), devem, todavia, prevalecer sobre as primeiras em razão do primado do direito da União Europeia. Com efeito, uma das dimensões da primazia de tal direito consiste, precisamente, em «afastar as normas de direito ordinário internas preexistentes e em tornar inválidas, ou pelo menos ineficazes e inaplicáveis, as normas subsequentes que o contrariem. Em caso de conflito, os tribunais nacionais devem considerar inaplicáveis as normas anteriores incompatíveis com as normas de direito da UE e devem desaplicar as normas posteriores, por violação da regra da primazia» (assim, vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, anot. XXIII ao artigo 8.º, p. 271). Havendo incerteza quanto à referida compatibilidade, mormente em consequência de questões relativas à validade ou interpretação das normas de direito da União Europeia, deverão os tribunais proceder ao reenvio de tais questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça da União Euro- peia, conforme previsto no artigo 267.º do mencionado Tratado (reenvio prejudicial). Em rigor, não suscitam dúvidas nem quanto à questão do primado do direito da União Europeia sobre o direito nacional infraconstitucional (cfr., por exemplo, o Acórdão n.º 60/06) nem quanto à questão do reenvio prejudicial (cfr., ainda antes da Revisão Constitucional de 2004, o Acórdão n.º 163/90 e, mais recen- temente, o Acórdão n.º 141/15). Problemática foi, ao invés, a questão da eventual competência do Tribunal Constitucional para conhecer da incompatibilidade entre normas nacionais e normas de direito da União Europeia, sobretudo tendo em atenção o artigo 8.º, n.º 4, da Constituição. Mas, sobre a mesma já o Tribunal Constitucional se pronunciou por diversas ocasiões, em termos que agora se reiteram. Na leitura que o Tribunal Constitucional tem feito das suas competências, apenas lhe é permitido fis- calizar a compatibilidade do Direito Interno com o Direito Internacional Convencional, ou com o Direito (primário) da União Europeia, nas situações expressamente previstas na alínea i) do artigo 70.º, n.º 1, da LTC – apenas (i) decisões negativas ou de recusa de aplicação; (ii) de normas constantes de ato legislativo; (iii) fundadas na sua contrariedade com uma convenção internacional (cfr. Acórdão n.º 371/91, onde se detalha o panorama jurisprudencial que conduziu à introdução dessa alínea, no quadro decorrente da Lei Constitucional n.º 1/89 e da Lei n.º 85/89, firmando o entendimento que, por questões de constituciona- lidade, “apenas se podem entender as de inconstitucionalidade direta, e já não as que só indireta ou conse- quentemente se podem colocar”). Em consonância, o artigo 71.º, n.º 2, da LTC autonomiza claramente, com referência expressa à citada alínea do artigo 70.º, n.º 1, as questões de natureza jurídico-internacional implicadas na decisão recorrida, das questões de natureza jurídico-constitucional. Como explica Miguel Galvão Teles – um dos Autores citados pela reclamante: «[A] desconformidade entre a lei interna e o direito internacional não se configura como inconstitucionalidade e, nesse quadro, o que consta da al. i) do n.º 1 do artigo da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional corresponde apenas ao exercício, pelo legislador ordinário, da faculdade, reconhecida pelo que é hoje o artigo 223.º, n.º 3, da CRP, de atribuir ao Tribunal Constitucional competências, a acrescer àquelas que lhe são diretamente conferidas pela Constituição. […] Perante o artigo 7[0].º, n.º 1, al. i) , da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, parece claro que, ainda que a situação não seja de inconstitucionalidade, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões que desapli- quem normas constantes de atos legislativos com fundamento em desconformidade pelo menos com os tratados institutivos (e modificativos) das comunidades europeias e da União Europeia (não já com o direito derivado).» (Autor cit., ob. cit. , p. 306 e nota 28; sobre a alínea em apreço, v. também o Acórdão n.º 466/03)

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