TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

522 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 28. Acresce que, limitar o conhecimento do recurso de constitucionalidade aos casos em que a relação entre normas consubstancia uma inconstitucionalidade direta (cuja aferição se mostra já uma questão de fundo, i. e. , acerca do mérito do recurso), ou quando existe ainda a possibilidade de substituição da argumentação jurídica em sede de alegações, “articula-se manifestamente mal com os amplos poderes cognitivos que o artigo 79.º-C outorga ao Tribunal Constitucional, permitindo-lhe apreciar a questão da inconstitucionalidade da norma questionada com fundamento em normas ou princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi invocada: podendo o Tribunal Constitucional, na fase de julgamento do recurso, convolar do fundamento da inconstitucionalidade invocado pelo recorrente (...), não se vê facilmente por que razão deveria ficar precludido tal poder-dever de o Tribunal proceder a um correto enquadramento jurídico-constitucional da questão só pelo facto de a parte lhe ter “sugerido” que exercesse tal competência” (cfr. Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Coimbra, Almedina, 2010, p. 211). 29. O princípio iura novit curia é, em sede de contencioso constitucional, plenamente aplicável, somente não podendo ser alterado, na instância, o objeto do processo, isto é, “a norma que a decisão recorrida, conforme os casos, tenha aplicado ou a que haja recusado aplicação” (cfr. artigo 79.º-C da LTC). 30. Uma orientação que negue o que se acaba de evidenciar afigura-se manifestamente ilegal, por impor ao particular uma formalidade adicional que a lei não prevê e, bem pelo contrário, repudia. 31. Demonstrando ser cega quanto à teleologia sistemática do processo constitucional. 32. E se “a forma é inimiga jurada do arbítrio, irmã gémea da liberdade” (cfr. Rudolph Von Jhering, Geist des Romischen Rechts, 2.2, Aalen, 1968, p. 471), a sua necessidade tem, obviamente, de estar legalmente consagrada, sob pena de perversão do seu sentido, i. e. , sob pena de se restringir ilegitimamente, por essa via, a liberdade do cidadão. 33. Note-se, ainda, que entendimento diverso violará quer o artigo 20.º, n.º 1 da Constituição, quer o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 34. Recentrando, atendendo à inconstitucionalidade sub judice e sendo patente a incerteza jurídica que subsiste na jurisprudência nacional quanto ao sentido e alcance do conceito de «responsável pela colocação no mercado» (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo n.º 33 /12.4YQSTR.EF ), bem como a evidente importân- cia desta questão para a necessária determinabilidade da norma contraordenacional em causa (cfr. artigo 29.º, n.º 1 da Constituição), o Tribunal Constitucional deverá operar um reenvio prejudicial dirigido ao Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (‘TFUE’), formulando-se, para o efeito, as seguintes questões: (a) Quem é, para efeitos do disposto na Diretiva n.º 1999/5/CE, o “responsável pela colocação no mercado”? (b) O “responsável pela colocação no mercado” é aquele que introduz os equipamentos pela primeira vez no mercado da União Europeia? (c) Os “responsáveis pela colocação no mercado” são, ao invés, todos aqueles que intervêm na cadeia de distri- buição dos equipamentos dentro do mercado europeu, designadamente em Portugal? (d) Caso os “responsáveis pela colocação no mercado” sejam todos aqueles que intervêm na cadeia de dis- tribuição dos equipamentos dentro do mercado europeu, a imposição das obrigações que resultam do Decreto-Lei n.º 192/2000, de 18 de agosto, não configura uma restrição à liberdade de circulação de bens no mercado da União Europeia? 35. É hoje pacífico que também o Tribunal Constitucional se enquadra na noção de «órgão jurisdicional» de um Estado-Membro, para efeitos do disposto no artigo 267.º do TFUE, detendo competência para a formulação de questões prejudiciais (cfr., neste preciso sentido, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 391/12, processo n.º 558/123), sendo vários os tribunais constitucionais que efetivamente já as colocaram (cfr., a título de exemplo, o pedido apresentado pelo Tribunal Constitucional espanhol, proc. C-399/11, Melloni, ou o pedido apresentado pelo Tribunal Constitucional alemão, proc. C-62/14, Gauioeiler e o. v. Deutscher Bundestag ).

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