TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

521 acórdão n.º 569/16 19. De onde decorre, também, que não cabe aqui fazer qualquer menção ao artigo 70.º, n,” 1, alínea i) da LTC, uma vez que essa disposição está apenas prevista para situações de recusa de aplicação de norma pelo juiz a quo, o que, manifestamente, não ocorre no caso vertente. 20. A opinio iuris do Ministério Público faz, ainda, eco de uma outra ideia, de acordo com a qual, compreen- dendo a ordem jurídica da União Europeia e a sua receção uma instância jurisdicional com a função de tutelar essa mesma ordem jurídica e, bem assim, com a competência para garantir a aplicação uniforme e o primado do direito da União Europeia, não faria sentido que, no plano interno, uma outra instância – o Tribunal Constitucional – pudesse intervir. 21. Este último entendimento revela-se, contudo, insuficiente para excluir a análise da questão sub judice da competência do Tribunal Constitucional, uma vez que, relativamente à desconformidade dos direitos nacionais com o direito da União Europeia, o Tribunal de Justiça só conhece diretamente de questões de licitude, em ações de cumprimento, as quais não são, sequer, da iniciativa dos tribunais nacionais e no âmbito das questões prejudiciais apenas pode interpretar o direito da União, não tendo competência para colocar em confronto normas de direito interno e normas de direito da União Europeia. 22. Deste modo, e para melhor salvaguarda da primazia do direito da União Europeia, o Tribunal Constitucio- nal deve aferir da conformidade do direito nacional com o direito da União, pois que “[t]odos os tribunais portu- gueses – incluindo o Tribunal Constitucional – também são, assim, tribunais comunitários” (cfr. A. ARAÚJO/J. P. Cardoso da Costa/M. Nogueira de Brito, “As relações entre os Tribunais Constitucionais e as outras jurisdições nacionais, incluindo a interferência, nesta matéria, da ação das jurisdições europeias (Relatório português à XII Conferência dos Tribunais Constitucionais Europeus – Bruxelas, maio de 2002)”, in ROA , ano 62, 2002). b) A verificação de uma “inconstitucionalidade direta” por violação do artigo 29.º, n.º 1 da Constituição 23. Ainda que assim não se entendesse – o que se concede apenas por mera cautela de patrocínio, sem conce- der –, a posição do Ministério Público quanto à (in)admissibilidade do recurso de constitucionalidade sempre se afiguraria contrária a uma visão sistemática, na medida em que ignora que a interpretação normativa realizada pelo tribunal a quo, segundo a qual «o conceito de responsável pela colocação no mercado inclui não só o importador do produto para o mercado comunitário, mas também o importador/distribuidor para e dentro do território nacional e o retalhista que coloca o produto à venda ao consumidor final», é igualmente inconstitucional por violação do princípio da legalidade penal, radicado no artigo 29.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. 24. De acordo com o princípio da legalidade, «não pode haver crime, nem pena que não resultem de uma lei prévia, escrita, estrita e certa» (cf, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 177). 25. Ora, como bem se compreende, a interpretação da norma subjacente à decisão do tribunal a quo, ao incluir os distribuidores na categoria de “responsável pela colocação no mercado” opera um alargamento do tipo objetivo de ilícito que não é compatível com os dados normativos que resultam do direito da União Europeia e que pres- crevem que «responsável pela colocação no mercado» é tão-só o importador do equipamento para o mercado da União Europeia e que a «colocação no mercado» consiste apenas na primeira disponibilização de um equipamento de rádio no mercado da União Europeia. 26. E não se diga que a ora Reclamante, por não ter expressamente aduzido o princípio da legalidade penal como fundamento jurídico do recurso de constitucionalidade interposto, não tem direito de acesso à justiça cons- titucional. 27. É que “das disposições conjugadas dos artigos 71.º, n.º 1, alínea b) , e 72.º, n.º 2, da LTC, apenas resulta o ónus de suscitação, perante o tribunal a quo, e de modo processualmente adequado, da questão de inconstitu- cionalidade da norma que se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional” (cfr. Declaração de Voto dos Juízes Conselheiros Luís Nunes de Almeida e José Manuel Cardoso da Costa, constante do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 139/03, processo n.º 551/021), leia-se suscitação formal da questão de constitucionalidade – o que, in casu , efetivamente sucedeu.

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