TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

520 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL considerando que a violação do artigo 8.º, n.º 4 da Constituição consubstanciaria uma inconstitucionalidade indireta, i. e. , uma situação “em que a desconformidade constitucional não decorre de uma ofensa direta dos parâ- metros fundamentais e sim de uma ofensa a outros parâmetros pelo ato normativo impugnado” (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 682/14, citada no parecer do Ministério Público). 8. Ocorre, porém, que a razão supra citada não é, como se demonstrará de seguida, nem idónea, nem suficiente para indeferir o recurso de constitucionalidade interposto. II. As Razões de discordância a) A verificação de uma “inconstitucionalidade direta” por violação do artigo 8.º, n.º 4 da Constituição 9. Como mencionado, entende o Ministério Público que toda e qualquer violação do artigo 8.º, n.º 4 da Constituição redunda, necessariamente, numa inconstitucionalidade indireta, impassível de ser sindicada pelo Tribunal Constitucional. 10. Todavia, esta tese restritiva acerca da competência do Tribunal Constitucional não é, pelo menos com o alcance que pretende lograr, adequada, revelando-se a argumentação em causa insuficiente para excluir a inter- venção do Tribunal Constitucional em casos de contrariedade de norma jurídica interna com o direito da União Europeia. 11. Repare-se: se é certo que os âmbitos de aplicação normativos diretamente em colisão são, ambos, de natu- reza não constitucional, a verdade é que a colisão só chega a ocorrer por determinação constitucional, i.e., ocorre apenas por vontade do legislador constituinte. 12. Esta última afirmação é corroborada por uma breve leitura do artigo 8.º, n.º 4 da Constituição, decorrendo deste preceito que o primado do direito da União Europeia na ordem jurídica portuguesa não é absoluto, adotando a Constituição a doutrina dos contralimites elaborada e densificada pelos tribunais constitucionais italiano e ale- mão (cfr., neste sentido, Miguel Galvão Teles, “Constituições do Estados e eficácia interna do Direito da União e das Comunidades Europeias – em particular sobre o artigo 8.º, n.º 4, da Constituição Portuguesa”, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano no centenário do seu nascimento , Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 318). 13. Como refere Miguel Galvão Teles, a “circunstância de a Constituição Portuguesa consignar limite à apli- cabilidade interna do direito da União e das Comunidades nos termos estabelecidos por este direito implica que aquela se arrogue a competência para decidir, ela, sobre o direito aplicável na sua ordem interna” (cfr. Miguel Galvão Teles, ob. cit. , p. 319). 14. Ora, deste prisma, distinguir entre inconstitucionalidades diretas e indiretas afigura-se impróprio, por- quanto recusa a evidência de que a existência de uma norma interna contrária ao direito da União implica um incumprimento direto da intenção expressa de plena receção desse direito no ordenamento jurídico nacional. 15. Naturalmente, o referido desígnio, concretizado e prescrito no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição, não pode ser violado de forma indireta. 16. Entendimento diverso consistiria em degradar a violação de um propósito constituinte em inconstitucio- nalidade de segunda categoria. 17. Restando concluir, então, que a desconformidade de uma norma de direito nacional com o direito da União consubstancia uma verdadeira e própria inconstitucionalidade sujeita ao juízo do Tribunal Constitucional (cfr., neste sentido, Miguel Gorjão Henriques, “Compreensões e pré-compreensões sobre o primado na aplicação do Direito da União: breves notas jurídico-constitucionais relativamente ao Tratado de Lisboa”, in Estudos em homenagem ao Prof Doutor José Joaquim Gomes Canotilho, Vol. III, Coimbra Editora, Coimbra, 2012, pp. 368- 369). 18. O recurso de constitucionalidade foi corretamente interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da LTC, pois o tribunal a quo interpretou os artigos 8.º, alínea b) , e 33.º, n.º 1, alínea c) , do Decreto-Lei n.º 192/2000, de 18 de agosto, com um sentido que se mostra diretamente inconstitucional, aplicando esse sentido normativo apesar de a inconstitucionalidade ter sido invocada, previamente, nos autos.

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