TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

517 acórdão n.º 569/16 8.º, n.º 4 da Constituição, fica comprovado ter tido a reclamante o cuidado de individualizar o sentido do com- plexo normativo que reputa inconstitucional, enunciando-o, ao ponto de deixar bem expressa no seu requerimento de interposição de recurso a vocação de generalidade e abstração que o critério de decisão utilizado pelo julgador a quo detém. 19. Por outro lado, sendo certo que «a questão de constitucionalidade tem de ser suscitada antes da prolação da decisão recorrida, de modo a permitir ao tribunal a quo pronunciar-se sobre ela», afigura-se de meridiana clareza não ser verdade que, nas palavras do Tribunal da Relação, «tal não foi, sequer, o caso». 20. A este respeito, cumpre salientar que a ora reclamante suscitou a questão de inconstitucionalidade no parágrafo 40.º das suas alegações de recurso da decisão proferida pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, e, bem assim, no n.º 7.º das respetivas conclusões. 21. Acresce que a criação e aplicação da sobredita norma nos termos definidos constitui “ ratio decidendi ” da decisão proferida, «isto é, fundamento jurídico determinante da solução dada ao pleito pelo tribunal a quo », por- quanto foi nessa norma que o tribunal a quo fundou – mediante o reconhecimento da qualidade de «responsável pela colocação no mercado» da arguida – a condenação da ora recorrente, determinando, para além do mais, a suspensão da execução da coima anteriormente determinada pelo tribunal de 1.ª instância. 22. Adicionalmente, refira-se que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 70.º, n.º 2, da LTC, mostram-se esgotados os recursos ordinários possíveis, na aceção do preceituado no n.º 4 do mesmo artigo, o que determina a admissibilidade do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade apresentado junto do Tribunal da Relação de Lisboa. IV. Da violação do princípio do juiz natural pelo juiz a quo no despacho de não admissão 23. Diga-se ainda, e desconsiderando os fundamentos formais de não admissão do recurso de constitucionali- dade erroneamente aduzidos no despacho em causa, verificar-se que o juiz a quo faz ainda um juízo de viabilidade do recurso de fiscalização concreta que excede os poderes de cognição que lhe são concedidos por lei. 24. É certo que o Tribunal da Relação de Lisboa se pronunciou sobre os três problemas de constitucionalidade suscitados pela ora reclamante ao longo do processo jurisdicional em curso, tendo-se pronunciado, em particular, sobre a questão de constitucionalidade objeto do recurso de fiscalização concreta interposto pela A. – i.e., a ques- tão exposta nas Motivações do Recurso da A. da sentença proferida pelo Tribunal da Concorrência, Regulação da sentença proferida pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão –, porém, neste preciso momento processual, o juiz a quo encontra-se, por lei, impedido de replicar esses juízos de mérito. 25. Note-se, apesar de o artigo 76.º, n.º 2 da LTC prever que o recurso deve ser indeferido quando a questão de constitucionalidade suscitada seja “manifestamente infundada”, tal juízo liminar e perfunctório está impedido de se substituir ao recurso de constitucionalidade propriamente dito, não se podendo fundar «numa averiguação tendente a apurar da procedência do recurso ou mesmo do grau de probabilidade dessa procedência». 26. Ou seja, “manifestamente infundado” é apenas o recurso «cuja inatendibilidade seja liminarmente evidente ou ostensiva». 27. Assim, quando o juiz a quo, ganhando um fôlego que a lei não autoriza, propugna inexistir qualquer inconstitucionalidade por terem sido «interpretadas como o foram as normas invocadas da Constituição da Repú- blica Portuguesa, e/ou dos princípios nesta consignados», está claramente a fazer uso de um poder que não possui e a arrogar-se uma competência que a Constituição atribui tão-somente aos juízes conselheiros do Tribunal Cons- titucional. 28. A argumentação respeitante à valia da inconstitucionalidade assinalada, expendida pelo juiz a quo e suporte da decisão de não admissão do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, traduz-se, na prática, numa ablação do princípio do juiz natural ou legal previsto no artigo 32.º, n.º 9 da Constituição, na medida em que aparenta subtrair ao Tribunal Constitucional a sua competência para julgar o mérito do recurso de constituciona- lidade sub judice . 29. O âmbito da proteção da norma que consagra o princípio do juiz natural abrange indiscutivelmente a situação evidenciada, como resulta, aliás, da jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão, onde este,

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