TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

505 acórdão n.º 697/16 jurídico anterior homólogo, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 374/02 considerou que a cedência onerosa de imóveis do Estado, apesar das inegáveis semelhanças com a locação ou o comodato, constitui um «ato juspublicisticamente gerido» cujo conteúdo deve ser avaliado na perspetiva da satisfação do interesse público que determinou essa cedência). 18. No caso vertente, está em causa uma norma que se aplica, não ao momento aquisitivo do bem ou a aspetos relacionados com a sua administração pública, mas ao momento extintivo do direito de propriedade de que é titular a pessoa coletiva de direito público. Determina o artigo 1.º da Lei n.º 54, de 16 de julho de 1913, que «[a]s prescrições contra a Fazenda Nacional só se completam desde que, além dos prazos atual- mente em vigor, tenha decorrido mais metade dos mesmos prazos», tendo sido interpretado, como vimos, no sentido de sujeitar a aquisição, por usucapião, dos bens do domínio privado do Estado, entendido em sentido amplo, abrangendo a administração direta e indireta do Estado, à condição do decurso do prazo geral acrescido de metade. De acordo com o artigo 1287.º do Código Civil, «a posse do direito de propriedade ou de outros direi- tos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação». Nisto consiste, de acordo com o mesmo preceito, a usucapião. Sendo uma forma de constituição originária do direito de propriedade, a verificação dos respetivos requisitos legais, quer no que respeita à situação de posse, quer no que respeita ao decurso do tempo, determina, por incompatibilidade, a extinção do direito de propriedade do anterior titular, que vê desse modo sancionada a sua inércia em benefício de quem, durante um certo período de tempo, exerceu poderes de facto sobre a coisa em termos suscetíveis de permitir essa mudança no plano de direito substantivo. O Código Civil fixa para a aquisição, por usucapião, de imóveis, o prazo máximo de 20 anos, aplicável aos casos de posse não titulada e de má-fé (artigo 1296.º do Código Civil). Como vimos, a norma sindicada prevê que ao referido prazo, e aos restantes prazos gerais previstos para a usucapião, acresça metade, condi- cionando a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade ou dos restantes direitos reais de gozo sobre imóveis do domínio privado do Estado ou de outra pessoa coletiva de direito público, à posse prolongada por mais de 30 anos. 19. Não há arbitrariedade na solução adotada. O Estado e os institutos públicos podem, para instalação ou funcionamento de serviços públicos ou para a realização de outros fins de interesse público, adquirir o direito de propriedade ou outros direitos reais de gozo sobre imóveis, a título oneroso ou gratuito (artigo 31.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 280/2007, de 7 de agosto). A expropriação dos bens imóveis e dos direitos a eles inerentes, que é também uma forma de aquisição de imóveis por parte das pessoas coletivas de direito público, só pode ocorrer por causa de utilidade pública que esteja compreendida nas atribuições, fins ou objeto da entidade pública expropriante (artigo 1.º do Código das Expropriações). Os imóveis adquiridos pelo Estado ou qualquer instituto público, são, pois, sempre e necessariamente, meios materiais de realização do interesse público, independentemente da natureza pública ou privada dos instrumentos jurídicos usados para essa aquisição e da circunstância de o Estado ou o instituto público atuar, nesse âmbito, no exercício dos seus poderes de autoridade ou como qualquer sujeito de direito privado. Por isso, a usucapião de um bem do domínio privado do Estado importa sempre a lesão do interesse público, tal como se sublinha na decisão recorrida; deixando de pertencer ao Estado, o bem deixa de poder ser afeto ao fim de interesse público que justificou a sua aquisição, o que não sucede com a usucapião de

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