TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

504 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A Constituição, no seu artigo 84.º, individualiza quais os bens que necessariamente pertencem ao domí- nio público do Estado [n.º 1, alíneas a) a e) ] e remete para a lei a decisão sobre essa qualificação, em relação aos demais, bem como a definição do seu regime, condição de utilização e limites [n. os 1, alínea f ) , e 2]. Porém, não contém qualquer referência aos bens do domínio privado, cuja existência o enunciado constitu- cional logo sugere, por contraposição com o conceito de domínio público. A doutrina tem considerado que a diferença reside no regime jurídico a que estão sujeitos os bens do Estado: enquanto «os bens do domínio público se encontram submetidos a um regime de direito público e subtraídos ao comércio jurídico privado, os bens do domínio privado hão de ser os que, ao menos em princípio, estão sujeitos a um regime de direito privado e inseridos no comércio jurídico correspondente (Marcelo Caetano, Manual de Direito Administra- tivo , Vol. II, 9.ª edição, Coimbra, 1980, p. 961). Assim, e contrariamente ao que sucede, em regra, com os bens do domínio privado do Estado, os bens do domínio público são inalienáveis, imprescritíveis e impenho- ráveis (artigos 18.º, 19.º e 20.º do Decreto-Lei n.º 280/2007, de 7 de agosto, que aprova o regime jurídico do património imobiliário público). O artigo 1304.º do Código Civil refere-se genericamente ao «domínio das coisas pertencentes ao Estado ou a quaisquer pessoas coletivas públicas», sujeitando-o «às disposições deste código em tudo o que não for especialmente regulado e não contrarie a natureza própria daquele domínio», entendendo-se, embora sem consenso, que a lei quis abranger toda a espécie de domínio do Estado, seja ele público ou privado, de modo a salvaguardar as regras especiais sobre o domínio privado do Estado da norma revogatória constante do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de novembro de 1966 (cfr., neste sentido, Pires de Lima e Antu- nes Varela, Código Civil Anotado , volume III, Coimbra, p. 89). Embora não releve, para o objeto do presente recurso, a questão da vigência da norma sindicada do artigo 1.º do da Lei n.º 54, de 16 de julho de 1913, que foi definitivamente resolvida pelo tribunal recorrido, decorre da discussão doutrinal e jurisprudencial gerada a esse propósito (cfr. Marcello Cae- tano, ob. cit. , Tomo II, p. 996, Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit. , p. 89, e acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de dezembro de 1984, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 342, p. 375, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 3 de fevereiro de 1987, in Coletânea de Jurisprudência, Tomo I, p. 115), e da própria redação do citado artigo 1304.º do Código Civil, o reconhecimento de que a regra da sujeição dos bens do domínio privado do Estado ao direito privado não é absoluta, admitindo-se a possibilidade de consagração de regimes especiais que decorrerão, não tanto da consideração da natu- reza dos bens, mas essencialmente da «qualidade jurídico-pública dos respetivos titulares» e dos fins de interesse público que os mesmos visam prosseguir. A par das normas de direito civil, vigora, assim, nessa matéria, um «regime administrativo do domínio privado», que visa, no essencial, acautelar os inte- resses públicos prosseguidos pelas pessoas coletivas de direito público titulares desses bens (cfr. Jorge Miranda/Rui de Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , Tomo II, Coimbra, 2006, p. 96, e Marcelo Caetano, ob. cit. , pp. 962-963; Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 103/99). O citado Decreto-Lei n.º 280/2007, de 7 de agosto, que estabelece o regime jurídico da gestão dos bens imóveis do domínio privado do Estado e dos institutos públicos, é disso exemplo. Com efeito, o seu artigo 2.º sujeita estas entidades, no que especificamente concerne à gestão desse património, aos princípios gerais da atividade administrativa, designadamente aos princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé. Por outro lado, dete- tam-se no referido diploma legal aspetos de regime aplicáveis à aquisição e administração desses bens que, por um lado, encontram justificação na matriz pública da pessoa coletiva que é parte nos negócios jurídicos nesse âmbito celebrados e, por outro, revelam o condicionamento a que os mesmos negócios estão sujeitos, por força dos fins de interesse público que tais pessoas visam prosseguir (cfr., a título de exemplo, o regime de denúncia consagrado nos artigos 63.º a 66.º para o arrendamento de imóveis do Estado; apreciando regime

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