TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
500 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Com efeito, nessas peças recursórias, a recorrente defendeu que não era aceitável a decisão das instâncias de que ao caso se aplicava, em matéria de contagem do prazo, para o prédio ser usucapível pelos réus, o artigo 1.º da Lei 54 de 16 de Julho de 1913 (as prescrições quanto à fazenda nacional só se completam quando aos prazos normais acrescem metade) não só porque essa norma se refere apenas a dívidas fiscais e a dívidas “fiscais atuais” como do seu texto resulta, e a bens que se integram no domínio público do Estado, enquanto o prédio em causa, pertencente que era de um instituto público, pertencia ao domínio privado desse instituto e as duas situações não podem deixar de se distinguir (cfr. Menezes Cordeiro, Direitos Reais, 1979, p. 178 e Marcello Caetano, Manual , 8.ª edição, p. 213). Nas mesmas peças, a recorrente defendeu ainda que o privilégio que essa norma concede ao Estado em relação ao comum dos cidadãos, não pode deixar de se considerar inconstitucional por violação do princípio da igualdade aludido no artigo 13.º da Constituição, pelo que a norma em causa não pode deixar de ser aplicada pelos tribunais (art.º 204.º da Constituição)». 11. Por acórdão de 17 de dezembro de 2015, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu o pedido de reforma, e, na sequência, por despacho do relator de 6 de janeiro de 2016, admitiu o recurso de constitu- cionalidade. 12. O processo prosseguiu para apreciação de mérito e a recorrente apresentou, neste Tribunal, alegações em que formulou as seguintes conclusões: «1.ª Não obstante os réus A. e mulher B. – que venderam à recorrente C., Lda. o prédio aludido nos autos – estarem há 22 anos na sua posse pública, contínua, pacífica, ininterrupta de boa-fé, e com ânimo de quem usa e frui coisas próprias, o acórdão do STJ sob censura negou o pedido de reconhecimento da propriedade do mesmo por usucapião, com o argumento de que, sendo tal prédio propriedade do Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana I.P., o prazo de aquisição de bens, ainda que do domínio privado, do Estado não é o que consta dos artigo 1294.º a 1296.º do Código Civil, mas antes esses prazos acrescidos de metade, por aplicação do disposto no artigoº. 1.º da Lei n.º 54 de 16 de julho de 1913. 2.ª De facto, foi entendido que esses RR., iniciais donos do prédio, não obstante ocuparem esse prédio por si há 22 anos e por si e sua ante possuidora, sua avó, que alegadamente lho doou verbalmente, há 33 anos, e ser essa ocupação pública, pacífica, contínua sem oposição de ninguém, e dotada de ânimo de quem usa e frui direitos próprios não podiam ter adquirido o prédio por usucapião porque ao caso deve aplicar-se o prazo de 30 anos, previsto pelo artigo 1.º da Lei 54 de 16 de julho de 1913, o que levou a julgar-se impugnado o facto justificada e as transmissões posteriores – uma das quais para a recorrente – estas por nulidade sequencial, já que se trataria de transmissões a non domino. 3.ª Ora, estando preenchidos, como estavam, todos os requisitos de facto exigidos pelos artigos 1251.º, 1255.º, 1263.º, 1287.º e 1296.º do Código Civil, as instâncias deviam ter reconhecido a aquisição da propriedade por esses réus – e válida a transmissão subsequente, para a recorrente, por usucapião, e julgado a ação improcedente, face ao abandono do prédio pelo autor. 4.ª A consequência jurídica do facto de o autor, enquanto expropriante, nada ter oposto durante 33 anos à ocupação do prédio pelos réus, que bem conhecia como se provou – nem sequer ter promovido o seu registo em seu nome – é, naturalmente a de que os réus que, em contraponto afirmavam ser proprietários do prédio, eram, mais do que meros detentores do prédio, ou como exercendo sobre ele não uma posse em nome alheio, mas antes uma posse em nome próprio, única que poderia levar à aquisição do direito de propriedade por usucapião até porque se provou ainda, em beneficio dos réus, a inversão do título de posse (porque a avó do réu logo se apoderou, após a expropriação, do prédio em causa, habitando-o e agricultando-o, fazendo nele obras e proclamando que o prédio
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