TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
498 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL V – Os imóveis adquiridos pelo Estado ou qualquer instituto público, são, pois, sempre e necessariamen- te, meios materiais de realização do interesse público, independentemente da natureza pública ou privada dos instrumentos jurídicos usados para essa aquisição e da circunstância de o Estado ou o instituto público atuar, nesse âmbito, no exercício dos seus poderes de autoridade ou como qual- quer sujeito de direito privado; por isso, a usucapião de um bem do domínio privado do Estado importa sempre a lesão do interesse público, pois deixando de pertencer ao Estado, o bem deixa de poder ser afeto ao fim de interesse público que justificou a sua aquisição, o que não sucede com a usucapião de bens de uma pessoa coletiva de direito privado, que apenas acarreta lesão do interesse privado do anterior titular. VI – Nesta perspetiva, compreende-se que se preveja, para a primeira hipótese, requisitos da usucapião mais exigentes dos que os previstos para a usucapião de bens que integram a esfera jurídico-patrimo- nial de um particular, seja ele pessoa coletiva ou singular, designadamente no que respeita ao tempo de duração da posse que a permite, o que não pode deixar de valer para os institutos públicos – a quem a lei comete o desempenho das atribuições estaduais, em ordem a aliviar o Estado da carga que sobre si recai e assegurar uma gestão mais eficaz do serviço público administrativo; a usucapião de um bem do domínio privado de um instituto público implica, do mesmo modo, lesão do interesse público cuja realização é especialmente cometida a tais entidades, pelo que não há arbitrariedade na solução adotada. Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. O Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana, IP, intentou contra A. e mulher ação em que pede se declare impugnado, para todos os efeitos legais, o facto justificado na escritura pública outorgada em 30 de junho de 2006, em relação à aquisição pelo réu, por usucapião, de um determinado prédio e ineficaz a referida escritura, de modo a impedir os réus de registar com base nela quaisquer direitos sobre o imóvel, com o cancelamento do registo já efetuado com base nesse documento. Alegou, para tanto, no essencial, que sucedeu nos direitos e obrigações do Fundo de Fomento Habi- tacional, a quem foi adjudicado, em fevereiro de 1978, por expropriação, a propriedade do prédio a que se refere a impugnada escritura de justificação notarial, não estando verificados os pressupostos de que depen- dia a aquisição, por usucapião, declarada por esse meio. Os réus contestaram, impugnando os factos invocados como causa de pedir e excecionando a aquisição, por usucapião, da propriedade do referido imóvel, que, entretanto, transferiram, por permuta, à «C., Lda.», a qual, por sua vez, o vendeu a D.. O autor, na réplica, requereu o chamamento das pessoas que, de acordo com a contestação, tinham sucessivamente adquirido o imóvel. 2. Em primeira instância, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, declarando impugnado o facto aquisitivo justificado na referida escritura pública e a sua ineficácia, nos termos peticio- nados, com o cancelamento da inscrição do registo predial a favor do réu, mas não ordenou o cancelamento dos registos efetuados em relação ao prédio por parte dos chamados.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=