TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

493 acórdão n.º 696/16 A garantia de segurança jurídica inerente ao Estado de direito corresponde, numa vertente subjetiva, a uma ideia de proteção da confiança dos particulares relativamente à continuidade da ordem jurídica. Nesse sentido, o princípio da segurança jurídica vale em todas as áreas da atuação estadual, traduzindo-se em exigências que são dirigidas à Administração, ao poder judicial e, especialmente, ao legislador. Trata-se assim de um princípio que exprime a realização imperativa de uma especial exigência de previsibili- dade, protegendo sujeitos cujas posições jurídicas sejam objetivamente lesadas por determinados quadros injusti- ficados de instabilidade (Blanco de Morais, Segurança Jurídica e Justiça Constitucional, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XLI, n.º 2, 2000, p. 625). Referindo-se à proteção da confiança dos particulares relativamente à manutenção de um certo regime legal, Reis Novais defende, em tese geral, que «os particulares têm, não apenas o direito a saber com o que podem legiti- mamente contar por parte do Estado, como, também, o direito a não verem frustradas as expectativas que legitima- mente formaram quanto à permanência de um dado quadro ou curso legislativo, desde que essas expectativas sejam legítimas, haja indícios consistentes de que, de algum modo, elas tenham sido estimuladas, geradas ou toleradas por comportamentos do próprio Estado e os particulares não possam ou devam, razoavelmente, esperar alterações radicais no curso do desenvolvimento legislativo normal» ( Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa, Coimbra, 2004, p. 263). No entanto, face ao valor constitucional contraposto do interesse público, a que o legislador está também vinculado, o autor reconhece que «o alcance prático do princípio da proteção da confiança só é delimitável através de uma avaliação ad hoc que tenha em conta as circunstâncias do caso concreto e permita concluir, com base no peso variável dos interesses em disputa, qual dos princípios deve merecer prevalên- cia». E no plano da ponderação do peso das posições relativas dos particulares, acentua que «as expectativas têm de ser legítimas», excluindo que possam assumir qualquer relevo valorativo as posições sustentadas «em ilegalidades ou em omissões indevidas do Estado» ( idem , pp. 264 e 267) Também o Tribunal Constitucional tem já firmado o entendimento de que o princípio do Estado de direito democrático postula «uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas», conduzindo à consideração de que «a normação que, por natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança jurídica que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático, terá de ser entendida como não consentida pela lei básica» (entre outros, o Acórdão n.º 303/90, […]). Referindo-se especificamente a situações de retrospetividade ou retroatividade inautêntica, o Tribunal Cons- titucional, no Acórdão n.º 287/90, teve também já oportunidade de definir a ideia de arbitrariedade ou excessiva onerosidade, para efeito da tutela do princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança, por refe- rência a dois pressupostos essenciais: a) a afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente prote- gidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição). Os dois critérios enunciados (e que são igualmente expressos noutros arestos) são, no fundo, reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou ‘testes’. Para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é neces- sário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de conti- nuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público

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